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25 anos sem pisar no hospital
Entre a notificação dos primeiros casos de Aids, em 1981, e
o estabelecimento do agente
transmissor da doença passaram-se anos. Foi em 1985, nesse cenário de incerteza, medo e
preconceito, quando a doença
era conhecida por "peste gay" e
"câncer gay", que o comerciário
José Araújo, então com 28
anos, decidiu fazer o teste.
Certo de que estaria a salvo
da doença, um mês depois do
exame recebeu a sentença: era
soropositivo. "O impacto foi
muito forte porque eu estava
fora do grupo de risco. O fator
principal era ter se relacionado
com algum estrangeiro, coisa
que eu não tinha feito."
Quando o médico disse que
ele tinha dois anos pela frente
antes de desenvolver a doença,
a sensação foi de alívio. "Para
mim, era muito tempo. Saí feliz
com a notícia."
Cercados de estigma e preconceitos, muitos soropositivos preferiam não revelar sua
condição, a não ser para poucos
familiares. "Todo mundo escondia, era um sofrimento
muito solitário. Eu me afastei
dos amigos porque tinha medo
de deixá-los. O medo do preconceito era assustador."
O tempo foi passando e Araújo continuou mantendo segredo de sua condição. "Fiquei cinco anos abstêmio e, depois, voltei a fazer sexo. Mas era sexo
com culpa, com medo de transmitir. E de gostar de alguém e
isso não dar certo", afirma.
Embora vivesse com boa saúde, a doença parecia sempre à
espreita. Em 1990, a aparição
pública de Cazuza na fase terminal da doença teve um impacto devastador sobre ele.
"Ele foi um carrasco para mim,
pois poderia ser eu a qualquer
momento e isso era muito duro. Como não conhecíamos
ninguém vivendo bem com o
HIV, via nele o próximo passo."
Naquela época, começou a
fazer parte do GIV - Grupo de
Incentivo à Vida, uma associação pioneira de ajuda mútua a
pessoas que vivem com o vírus.
Foi também no início dos anos
90 que sua família soube de sua
doença, pela televisão. "Um
programa ia debater a questão
e não encontrava portadores
para falar. Fui cruel com a minha família: pedi que todos assistissem e disse que ia discutir
economia. Foi a forma que
achei de falar, mas fui irresponsável", reconhece.
Pouco depois que os exames
de carga viral e de contagem de
CD4 tornaram-se disponíveis,
Araújo começou a tomar o coquetel. Dos nove comprimidos
diários de 1998, hoje restam
apenas cinco.
Com a morte à espreita,
Araújo não investiu na carreira
e passou anos vivendo de bicos.
Acabou se dedicando, primeiro
no GIV, depois na ONG Espaço
de Prevenção e Atenção Humanizada, no Campo Limpo, zona
sul de São Paulo, a dar apoio a
outros portadores. "As pessoas
que eu ajudei a cuidar me deram um sopro de vida. Para
mim foi fantástico."
Aos 52 anos, prestes a completar 25 anos com o vírus e
com a carga viral indetectável
há quatro, faz planos como se
fosse viver eternamente. "Preciso acreditar nisso, mas vivo
intensamente o dia de hoje."
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