São Paulo, quinta-feira, 25 de março de 2010
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25 anos sem pisar no hospital

Entre a notificação dos primeiros casos de Aids, em 1981, e o estabelecimento do agente transmissor da doença passaram-se anos. Foi em 1985, nesse cenário de incerteza, medo e preconceito, quando a doença era conhecida por "peste gay" e "câncer gay", que o comerciário José Araújo, então com 28 anos, decidiu fazer o teste.
Certo de que estaria a salvo da doença, um mês depois do exame recebeu a sentença: era soropositivo. "O impacto foi muito forte porque eu estava fora do grupo de risco. O fator principal era ter se relacionado com algum estrangeiro, coisa que eu não tinha feito."
Quando o médico disse que ele tinha dois anos pela frente antes de desenvolver a doença, a sensação foi de alívio. "Para mim, era muito tempo. Saí feliz com a notícia."
Cercados de estigma e preconceitos, muitos soropositivos preferiam não revelar sua condição, a não ser para poucos familiares. "Todo mundo escondia, era um sofrimento muito solitário. Eu me afastei dos amigos porque tinha medo de deixá-los. O medo do preconceito era assustador."
O tempo foi passando e Araújo continuou mantendo segredo de sua condição. "Fiquei cinco anos abstêmio e, depois, voltei a fazer sexo. Mas era sexo com culpa, com medo de transmitir. E de gostar de alguém e isso não dar certo", afirma.
Embora vivesse com boa saúde, a doença parecia sempre à espreita. Em 1990, a aparição pública de Cazuza na fase terminal da doença teve um impacto devastador sobre ele. "Ele foi um carrasco para mim, pois poderia ser eu a qualquer momento e isso era muito duro. Como não conhecíamos ninguém vivendo bem com o HIV, via nele o próximo passo."
Naquela época, começou a fazer parte do GIV - Grupo de Incentivo à Vida, uma associação pioneira de ajuda mútua a pessoas que vivem com o vírus. Foi também no início dos anos 90 que sua família soube de sua doença, pela televisão. "Um programa ia debater a questão e não encontrava portadores para falar. Fui cruel com a minha família: pedi que todos assistissem e disse que ia discutir economia. Foi a forma que achei de falar, mas fui irresponsável", reconhece.
Pouco depois que os exames de carga viral e de contagem de CD4 tornaram-se disponíveis, Araújo começou a tomar o coquetel. Dos nove comprimidos diários de 1998, hoje restam apenas cinco.
Com a morte à espreita, Araújo não investiu na carreira e passou anos vivendo de bicos. Acabou se dedicando, primeiro no GIV, depois na ONG Espaço de Prevenção e Atenção Humanizada, no Campo Limpo, zona sul de São Paulo, a dar apoio a outros portadores. "As pessoas que eu ajudei a cuidar me deram um sopro de vida. Para mim foi fantástico."
Aos 52 anos, prestes a completar 25 anos com o vírus e com a carga viral indetectável há quatro, faz planos como se fosse viver eternamente. "Preciso acreditar nisso, mas vivo intensamente o dia de hoje."


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