São Paulo, terça-feira, 25 de maio de 2010
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COISAS LOUCAS

MARION MINERBO - marion.minerbo@terra.com.br

Infidelidade na internet


Relações virtuais são desconcertantes porque dissolvem as fronteiras entre fantasia e realidade


OS SITES DE RELACIONAMENTO, por serem um espaço de sociabilidade híbrido, ao mesmo tempo real e virtual, podem deixar as pessoas desconcertadas com relação a quem são, onde estão e fazendo o quê. O sexo virtual exemplifica bem essa ambiguidade. Enquanto a mulher dorme, o marido passa a noite em um programa de chat com câmera na internet.
Na tela, uma mulher tira a roupa e lhe diz coisas sensuais. Ela vive em outro país. Ambos se masturbam enquanto olham para seus computadores. O homem traiu sua mulher? Cada um terá uma opinião, dependendo de seus valores e de como avalia a situação.
A mulher pode sentir que foi traída, porque o marido desejou outra e gozou com essa outra. E pode sentir que não o foi, porque a relação é virtual e eles nunca se encontraram.
Pode entender que a imagem da tela foi usada, como revista masculina, para inspirar fantasias eróticas. Por outro lado, não pode negar que essa imagem interagiu, contribuindo para tornar a fantasia mais real.
Ou seja, apesar de virtual, a mulher na tela é bem real. Ao mesmo tempo, a mulher sabe que a rival virtual é fruto da imaginação do marido; se ele a conhecesse na realidade, dificilmente ela corresponderia por muito tempo à figura idealizada criada pelo homem.
As relações virtuais podem ser desconcertantes porque embaralham e dissolvem as fronteiras -que imaginávamos perfeitamente nítidas- entre fantasia e realidade. Se a mulher acusar o marido de tê-la traído, terá razão. E, se ele lhe responder que aquela mulher não existe, também terá razão. A realidade psíquica tem mais força de convicção do que a realidade material.
Em geral, temos mais medo dos fantasmas que criamos do que de perigos reais. As relações virtuais denunciam, por levar ao extremo, quanto de fantasia permeia aquilo que pensávamos ser pura realidade. Principalmente o sexo.
Um homem pode não desejar a mulher maravilhosa com quem está se não puder criá-la, em alguma medida, a partir de sua fantasia.
E pode desejar ardentemente a mulher virtual na qual jamais tocará justamente porque não pode tê-la na realidade. Em casos extremos, a paixão virtual pode se prolongar por anos e não haverá mulher real capaz de competir com sua fantasia.

MARION MINERBO, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Neurose e Não-Neurose" (ed. Casa do Psicólogo)



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