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drible a neura
Esquecer-se do que o médico falou é comum
TIAGO DÉCIMO
FREE-LANCER PARA A FOLHA
Cansado de ouvir respostas vagas para um simples "Então, o
que o médico disse?", o técnico em eletrônica Victor Gabriel
Weiler, 21, resolveu acompanhar a namorada, a estudante de comunicação Mariana de Lucca, 20, na próxima consulta médica.
Preparou até uma lista de perguntas para fazer ao médico: "Precisava saber o que estava acontecendo com ela", diz.
Mariana de Lucca sofria de fortes dores nas costas e era incapaz
de falar o que ouvia nas consultas.
"Não conseguia lembrar o que os
médicos diziam", conta a estudante de comunicação. "Já aconteceu até de eu descobrir que estava seguindo um tratamento diferente do receitado", diz ela.
Esse comportamento é muito
mais comum do que se imagina.
Um estudo do neurologista holandês Roy Kessels, recém-publicado na revista científica britânica
"Journal of the Royal Society of
Medicine", mostra que os pacientes tendem a esquecer de 40% a
80% do que lhes é dito na consulta
assim que saem da sala do médico. E o pior: das informações que
conseguem lembrar-se, quase
metade costuma estar incorreta.
"Essa é, sem dúvida, uma das
principais razões para a baixa
adesão dos pacientes aos tratamentos", diz o chefe da Psiquiatria Clínica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Miguel Jorge. "A comunicação entre
médico e paciente precisa ser revista para que os resultados sejam
melhores."
Empatia
A falta de confiança e
empatia no profissional foi apontada pela pesquisa de Kessels como uma das principais razões do
esquecimento e/ou mau entendimento do diagnóstico e das instruções dadas pelo médico. "Há
uma tendência de os pacientes
elaborarem teorias pessoais sobre
as doenças", diz o estudo. E,
quando não há confiança no médico, qualquer informação conflitante com essas teorias tende a ser
mal interpretada ou esquecida.
Segundo a diretora da divisão
de psicologia do Hospital das Clínicas (SP), Mara Cristina de Lúcia, a construção de uma relação
de confiança entre as partes começa na motivação que leva o paciente ao especialista.
"Ele quer mais do que simplesmente saber o que tem. O que ele
pergunta, na verdade, é: "Quem
pode acabar com a dor que estou
sentindo?'", diz a psicóloga.
A resposta para essa pergunta,
segundo Mara de Lúcia, passa
não apenas pelo conhecimento
técnico do funcionamento dos
órgãos, mas também pela forma
de transmitir as informações e pela terapêutica.
"Está demonstrado que os médicos que conseguem dar atenção
suficiente a quem os procura têm
mais chances de conquistar a
simpatia e a confiança. Assim, alcançam resultados melhores", diz
a psicóloga.
Palavrório
Quanto mais claras
e repetidas forem as informações
dadas pelo médico, maiores as
chances de o tratamento ser bem-sucedido. Uma frase como "Você
precisa descansar" vai ser lembrada com muito menos eficiência
do que "Tire duas semanas de folga", aponta o estudo de Kessels.
"O importante não é o que você
diz, mas o que você consegue passar", diz o diretor do Serviço de
Clínica Geral do Hospital das Clínicas (SP), Milton de Arruda
Martins. Segundo o estudo, os
médicos devem transmitir, primeiramente, a informação mais
importante e se valer de uma linguagem simples e instruções específicas.
"Quando eles falam na linguagem da medicina, parecem que
não dão atenção para a gente. Aí,
não confio no que dizem nem sigo o que receitam", afirma a funcionária doméstica Cleuza da Silva, 43, que passa por dificuldades
para entender o que lhe falam no
consultório médico.
Alem disso, as informações
transmitidas oralmente exigem
material escrito ou visual (desenhos ou gráficos, por exemplo)
como recurso para melhorar a
memorização e a compreensão
do paciente.
Tal procedimento é seguido pelo clínico-geral André Fusco, 31.
"Às vezes, até desenho o que estou falando para tornar a compreensão mais fácil."
Descontente com a qualidade
da relação médico-paciente, Fusco foi estudar teatro. Hoje, diz ele,
aplica técnicas que aprendeu no
palco para cativar seus pacientes.
Para Fusco, a formação dos médicos é incompleta por não trabalhar a importância do bom relacionamento entre profissional e
paciente. "Dedicar-se a detalhar
doenças e terapêuticas é ganho, e
não perda de tempo. Ainda mais
quando se trata de quadros difíceis, que envolvam mudança de
hábito."
Percepção reduzida
O estresse do diagnóstico de enfermidades agudas, segundo o estudo,
provoca no paciente o aumento
do esquecimento do que ele ouve
no consultório do médico.
"O que ocorre, na verdade, é um
estreitamento da percepção do
paciente, causado pela carga
emocional da notícia da doença",
explica a psicóloga Mara de Lúcia.
Na pesquisa, Kessels propõe
que o cérebro pode focar apenas a
informação mais grave -ou
mais assustadora. Isso significa
que, quando o médico diz que a
pessoa está, por exemplo, com
câncer, ela não vai se lembrar do
restante da conversa da mesma
forma como se lembrará da mensagem principal. "Nesses casos,
os médicos têm dificuldade para
desenvolver a "arte" de transmitir
corretamente as informações", lamenta a psicóloga.
Um dado curioso do estudo é
que o grau de estreitamento de
percepção tende a ser similar entre os que descobrem ter uma
doença grave e também entre os
que são informados de que sua
doença pouco influenciará suas
vidas. "Se o paciente fica muito
relaxado com o diagnóstico, sua
capacidade de entendimento
também fica reduzida", explica a
psicóloga.
Idade avançada
Com o tempo, a capacidade de memorizar
acontecimentos e informações
desestruturadas, incluindo conselhos médicos e resultados de
testes, piora.
A secretária-executiva Therezinha de Jesus Fernandes, 64, sente
os efeitos das mudanças que os
tratamentos provocam em sua vida. "Sempre fui muito saudável,
mas, nos últimos tempos, passei a
precisar de um monte de remédios. Não me acostumo com essa
situação."
A secretária, que, por força da
profissão, tem uma memória bastante treinada, confessa que, frequentemente, se esquece de seguir os tratamentos. "Minha irmã, que também é médica, é
quem me ajuda a lembrar. Ela escreve as prescrições nas caixinhas
dos remédios e as coloca em lugares visíveis da casa."
A produtora teatral Adriana Filippin, 35, também recorre às embalagens para anotar a posologia
correta dos medicamentos. "Se
não for assim, acabo interrompendo o tratamento com o passar
dos dias. Ainda mais quando a
doença não compromete meu
bom estado geral."
Filippin passou a adotar a técnica depois de interromper um tratamento para gastrite na metade
e, por isso, teve de começar do zero de novo. "Na consulta, não
consegui entender a importância
de continuar a tomar os remédios. Quando comecei a me sentir
melhor, não vi necessidade de
manter a medicação."
Leia ao lado algumas medidas
práticas e bastante simples que
podem evitar a conduta inoportuna de esquecer as informações e
orientações médicas.
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