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São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2003
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drible a neura

Esquecer-se do que o médico falou é comum

TIAGO DÉCIMO
FREE-LANCER PARA A FOLHA

Cansado de ouvir respostas vagas para um simples "Então, o que o médico disse?", o técnico em eletrônica Victor Gabriel Weiler, 21, resolveu acompanhar a namorada, a estudante de comunicação Mariana de Lucca, 20, na próxima consulta médica. Preparou até uma lista de perguntas para fazer ao médico: "Precisava saber o que estava acontecendo com ela", diz.
Mariana de Lucca sofria de fortes dores nas costas e era incapaz de falar o que ouvia nas consultas. "Não conseguia lembrar o que os médicos diziam", conta a estudante de comunicação. "Já aconteceu até de eu descobrir que estava seguindo um tratamento diferente do receitado", diz ela. Esse comportamento é muito mais comum do que se imagina. Um estudo do neurologista holandês Roy Kessels, recém-publicado na revista científica britânica "Journal of the Royal Society of Medicine", mostra que os pacientes tendem a esquecer de 40% a 80% do que lhes é dito na consulta assim que saem da sala do médico. E o pior: das informações que conseguem lembrar-se, quase metade costuma estar incorreta. "Essa é, sem dúvida, uma das principais razões para a baixa adesão dos pacientes aos tratamentos", diz o chefe da Psiquiatria Clínica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Miguel Jorge. "A comunicação entre médico e paciente precisa ser revista para que os resultados sejam melhores."

Empatia
A falta de confiança e empatia no profissional foi apontada pela pesquisa de Kessels como uma das principais razões do esquecimento e/ou mau entendimento do diagnóstico e das instruções dadas pelo médico. "Há uma tendência de os pacientes elaborarem teorias pessoais sobre as doenças", diz o estudo. E, quando não há confiança no médico, qualquer informação conflitante com essas teorias tende a ser mal interpretada ou esquecida. Segundo a diretora da divisão de psicologia do Hospital das Clínicas (SP), Mara Cristina de Lúcia, a construção de uma relação de confiança entre as partes começa na motivação que leva o paciente ao especialista. "Ele quer mais do que simplesmente saber o que tem. O que ele pergunta, na verdade, é: "Quem pode acabar com a dor que estou sentindo?'", diz a psicóloga. A resposta para essa pergunta, segundo Mara de Lúcia, passa não apenas pelo conhecimento técnico do funcionamento dos órgãos, mas também pela forma de transmitir as informações e pela terapêutica. "Está demonstrado que os médicos que conseguem dar atenção suficiente a quem os procura têm mais chances de conquistar a simpatia e a confiança. Assim, alcançam resultados melhores", diz a psicóloga.

Palavrório
Quanto mais claras e repetidas forem as informações dadas pelo médico, maiores as chances de o tratamento ser bem-sucedido. Uma frase como "Você precisa descansar" vai ser lembrada com muito menos eficiência do que "Tire duas semanas de folga", aponta o estudo de Kessels.
"O importante não é o que você diz, mas o que você consegue passar", diz o diretor do Serviço de Clínica Geral do Hospital das Clínicas (SP), Milton de Arruda Martins. Segundo o estudo, os médicos devem transmitir, primeiramente, a informação mais importante e se valer de uma linguagem simples e instruções específicas.
"Quando eles falam na linguagem da medicina, parecem que não dão atenção para a gente. Aí, não confio no que dizem nem sigo o que receitam", afirma a funcionária doméstica Cleuza da Silva, 43, que passa por dificuldades para entender o que lhe falam no consultório médico. Alem disso, as informações transmitidas oralmente exigem material escrito ou visual (desenhos ou gráficos, por exemplo) como recurso para melhorar a memorização e a compreensão do paciente. Tal procedimento é seguido pelo clínico-geral André Fusco, 31. "Às vezes, até desenho o que estou falando para tornar a compreensão mais fácil." Descontente com a qualidade da relação médico-paciente, Fusco foi estudar teatro. Hoje, diz ele, aplica técnicas que aprendeu no palco para cativar seus pacientes. Para Fusco, a formação dos médicos é incompleta por não trabalhar a importância do bom relacionamento entre profissional e paciente. "Dedicar-se a detalhar doenças e terapêuticas é ganho, e não perda de tempo. Ainda mais quando se trata de quadros difíceis, que envolvam mudança de hábito."

Percepção reduzida
O estresse do diagnóstico de enfermidades agudas, segundo o estudo, provoca no paciente o aumento do esquecimento do que ele ouve no consultório do médico. "O que ocorre, na verdade, é um estreitamento da percepção do paciente, causado pela carga emocional da notícia da doença", explica a psicóloga Mara de Lúcia. Na pesquisa, Kessels propõe que o cérebro pode focar apenas a informação mais grave -ou mais assustadora. Isso significa que, quando o médico diz que a pessoa está, por exemplo, com câncer, ela não vai se lembrar do restante da conversa da mesma forma como se lembrará da mensagem principal. "Nesses casos, os médicos têm dificuldade para desenvolver a "arte" de transmitir corretamente as informações", lamenta a psicóloga. Um dado curioso do estudo é que o grau de estreitamento de percepção tende a ser similar entre os que descobrem ter uma doença grave e também entre os que são informados de que sua doença pouco influenciará suas vidas. "Se o paciente fica muito relaxado com o diagnóstico, sua capacidade de entendimento também fica reduzida", explica a psicóloga.

Idade avançada
Com o tempo, a capacidade de memorizar acontecimentos e informações desestruturadas, incluindo conselhos médicos e resultados de testes, piora.
A secretária-executiva Therezinha de Jesus Fernandes, 64, sente os efeitos das mudanças que os tratamentos provocam em sua vida. "Sempre fui muito saudável, mas, nos últimos tempos, passei a precisar de um monte de remédios. Não me acostumo com essa situação."
A secretária, que, por força da profissão, tem uma memória bastante treinada, confessa que, frequentemente, se esquece de seguir os tratamentos. "Minha irmã, que também é médica, é quem me ajuda a lembrar. Ela escreve as prescrições nas caixinhas dos remédios e as coloca em lugares visíveis da casa."
A produtora teatral Adriana Filippin, 35, também recorre às embalagens para anotar a posologia correta dos medicamentos. "Se não for assim, acabo interrompendo o tratamento com o passar dos dias. Ainda mais quando a doença não compromete meu bom estado geral."
Filippin passou a adotar a técnica depois de interromper um tratamento para gastrite na metade e, por isso, teve de começar do zero de novo. "Na consulta, não consegui entender a importância de continuar a tomar os remédios. Quando comecei a me sentir melhor, não vi necessidade de manter a medicação."
Leia ao lado algumas medidas práticas e bastante simples que podem evitar a conduta inoportuna de esquecer as informações e orientações médicas.


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