São Paulo, quinta-feira, 26 de janeiro de 2006 |
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Outras idéias Revisitando o Brasil
Para o espanto de
familiares e
amigos, cancelei minha passagem de avião
para fazer o mesmo trajeto
por terra -de carro.
Na década de 1950, quando rodei pela mesma estrada, não se achava água mineral em garrafa ou copo. Quem não quisesse tomar água gasosa ou refrigerante tinha que chupar laranja. O conceito de água potável não era difundido pelo país. Com variados rótulos e nomes, encontramos em qualquer biboca de beira de estrada, asfaltada ou não, água e suco. A força de penetração do plástico e da rede de informação pode ter mudado o Brasil. Se mudou ou não, não sei, pois não passo de uma curiosa "automóvelmaníaca" diletante. A volta pela BR-101 foi uma experiência semelhante. Tanto na estrada do Boi quanto em certos trechos da BR-101 e da BR-116, encontrei, vi e fotografei, por exemplo, uma frase de duas ou três palavras, grafada em papelão, de maneira "inculta" dizendo: "Precisa-se alimento/ Aceita-se alimento/ Precisamos de alimento". Entendi que eles diziam que o Fome Zero não havia chegado lá. Isso foi surpreendente porque, à primeira vista, pode-se imaginar um complô contra o presidente. Mas complô organizado na BR-116, a 300 km da BR-101, ou na estrada do Boi teria que ser uma organização planejada para fazer inveja. Fiquei com a impressão de que era espontâneo. Claro está que a abertura das estradas mudou exatamente a área a que eu tive acesso. Mas em 1950, 1970 e 1980 eu também só tinha contato com beira-estrada. Há outras novidades, uma mais importante do que a outra: não sei de que jeito difundiu-se o hábito de manter os sanitários cada vez mais limpos em casas, postos de gasolina, restaurantes. Nem ouso descrever o que era sanitário no interior há 50 anos. Talvez a coisa mais importante que observei tenha sido a difusão das havaianas. Tornamo-nos um povo calçado. Quem inventou as havaianas deveria ser um herói nacional. Elas calçam o Brasil e são provavelmente responsáveis pelo fim do amarelão do jeca-tatu, tão bem descrito por Monteiro Lobato. Comunicando-nos bem, bem calçados, com água para beber e banheiros limpos -encontrei um Brasil novo. Tenho muito orgulho de ter ido ver de perto esse pedacinho minúsculo de nosso país. Foi o melhor das férias. ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora) @ - amautner@uol.com.br Texto Anterior: Pergunte aqui Próximo Texto: Ingrediente: Bicarbonato de sódio requer cautela Índice |
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