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São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 2003
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s.o.s família - rosely sayão

Guloseimas, felicidade e obesidade

Boa parte dos adultos investe em uma boa aparência e, nos dias atuais, isso compreende principalmente ser magro. Dietas, cirurgias, programas de reeducação alimentar, exercícios físicos e tudo o mais formam um pacote que tem o objetivo de levar as pessoas a ter e manter um peso considerado aceitável. Aceitável do ponto de vista social, e não da saúde, é bom lembrar. Ao mesmo tempo, ocorre um fenômeno bem contraditório em relação a esse fato.
Tenho recebido muitas mensagens de mães preocupadas com o sobrepeso de filhas e filhos adolescentes. Mas esse é um problema também de crianças. Pesquisadores afirmam que, nas últimas décadas, tem aumentado consideravelmente a obesidade na infância e na adolescência. Os motivos seriam, entre outros, vida sedentária e excesso de alimentos gordurosos. Mas, se os filhos aprendem principalmente observando o comportamento dos pais e adultos em geral, por que isso está acontecendo? Não seria de esperar o oposto?
Bem, para começo de conversa, fazer dieta não é nada fácil, e os adultos sabem disso. E há muita mãe e muito pai reclamando de não poder comer isso ou aquilo ou comendo, mas lamentando por antecipação os efeitos que isso vai acarretar em seu peso e em sua aparência. Fazer dieta, por mais que se diga o contrário, significa privar-se de alguns alimentos ou de uma certa quantidade deles. E é no sofrimento que isso acarreta que crianças e adolescentes ficam de olho. "Crescer é isso? Não poder comer o que quer, quando e quanto quer e frustrar-se por causa disso?" Não deve ser difícil os filhos chegarem a esse tipo de conclusão, o que pode estimular o apetite deles para o que consideram gostoso de comer.
E mais: já comentamos diversas vezes a tendência de pais de evitar o sofrimento e a frustração dos filhos e de buscar o prazer e a felicidade deles. E, para a criança, felicidade pode significar comer um lanche em vez de almoçar ou jantar ou ter um monte de guloseimas à disposição para comer enquanto assiste à televisão ou faz a lição de casa. Ou ainda ir com a família toda a uma lanchonete de marca para, juntos, comerem o que ela gosta. E os pais vão, movidos principalmente por esse impulso de participar do mundo do filho. Que engano, não é verdade? Agindo assim, com regularidade, os pais conseguem, sim, satisfazer um prazer imediato do filho, mas deixam de educar e não levam em conta as consequências futuras na vida dos filhos.
Claro que deixar de comer lanches de aparência chamativa provoca frustração na criança. Mas nada que seja traumático, que não possa ter um efeito positivo mais tarde.
Hoje, muitas crianças e muitos adolescentes recusam-se a sentar-se com os pais para almoçar ou jantar juntos. Está certo que a correria da vida moderna muitas vezes impossibilita esse ritual no dia-a-dia. Mas, se os pais insistem quando podem (sempre existe o fim de semana, não é verdade?), esse pode tornar-se um hábito saudável em todos os sentidos -no alimentar, no da convivência familiar com seus rituais e, principalmente, na construção de um vínculo de pertencimento dos filhos em relação à família.
Ah! Não podemos deixar de lembrar o quanto a escola contribui para essa história: em quase todas elas há cantinas que oferecem todas as porcarias disponíveis para a criançada. E qual a criança normal que vai preferir comprar uma maçã a um salgadinho ou coisa que o valha?
De nada adianta a escola dar aulas teóricas sobre a alimentação saudável e, na hora do intervalo, deixar disponível o que não o é. Nesse sentido, a escola está bem junto com os pais: ela também quer dar prazer e felicidade aos alunos. Do jeito equivocado, infelizmente.
Por último, é preciso lembrar que o petisco e o doce servem de mercadoria de barganha aos pais, o que acaba conferindo a eles um valor afetivo, que, na realidade, eles não têm. Mas isso já merece uma conversa especial, concorda?


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


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