São Paulo, quinta-feira, 26 de julho de 2007
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ROSELY SAYÃO

A mulher das revistas

[...] A oferta de passo-a-passo e check-list dos mais variados assuntos é incrível

Que mulher consegue se encaixar no perfil de leitoras traçado pelas revistas femininas? Para tentar apreender que mulher é essa -a quem as revistas destinam seus trabalhos-, por dois meses acompanhei as edições de várias delas.
A primeira coisa que percebi é que essa mulher precisa lidar com uma grande contradição, já que a mesma edição que fala exaustivamente de dietas e faz apologia do corpo magro também oferece receitas ma-ra-vi-lho-sas de delícias engordativas. Em resumo: as revistas colocam suas leitoras num círculo vicioso porque estimulam o apetite e, ao mesmo tempo, afirmam que é preciso emagrecer. Uma mesma edição, por exemplo, dá uma receita de macarrão com creme de leite e fala sobre uma dieta de alimentos crus. Mas que coisa, não?
Outra característica que salta aos olhos já na capa das revistas é que as mulheres devem apreciar os números que revelam grandes quantidades -menos na balança, é claro. Sempre há chamadas que apontam 365 maneiras de se vestir bem para uma entrevista de emprego ou para seduzir um homem, 68 dicas para se manter sempre jovem, 43 idéias para renovar o visual, 87 cortes de cabelo, 13 formas de superar as crises no relacionamento amoroso etc.
Ah! Além disso, as mulheres devem ser práticas, realistas e bem objetivas. O que há de oferta de guias práticos, passo-a-passo e check-list dos mais variados assuntos, inclusive relacionamento familiar, é uma coisa incrível. As revistas imaginam que as mulheres querem saber como viver porque não querem perder tempo pensando na questão, e essa idéia certamente foi inspirada em publicações estadunidenses que usam e abusam do "how to do" que por lá faz sucesso.
Na mesma linha da objetividade, há os testes, que proliferam nessas revistas. Teste para a mulher descobrir se conhece os homens, se é ciumenta, se mostra segurança, se está pronta para um relacionamento, se dá tudo de si para subir na vida, se sabe poupar, se é isso ou aquilo. Influência dos tempos em que a psicologia cultuava os testes e resultados? Pode ser.
Mas a imagem da mulher como um ser que passa a maior parte de seu tempo pensando em sexo, em como seduzir, em como ser e parecer sensual, em como dar e ter prazer, em como superar "a outra" de seu par na cama e coisas desse tipo é o que mais evidencia a idéia estereotipada e desgastada de mulher que norteia essas publicações. As revistas transpiram sexo, e assim o é porque certamente acreditam que assim são ou devem ser as mulheres.
Portanto, nas linhas e nas entrelinhas, o que as revistas apontam é que a mulher é narcisista por excelência e que toda a vida dela tem a ver com gente famosa, decoração, moda e beleza, corpo malhado, dietas, lazer, profissão, sexo, sexo, sexo e relacionamento amoroso e familiar no sentido mais vulgar que podemos ter disso.
Para essas revistas, a mulher não se angustia com a vida como ela é, não tem dúvidas existenciais, sofre porque não sabe como viver sem sofrer, não fica inquieta ou perplexa com seu tempo, não tem conflitos, não persegue utopias, não tem senso crítico e tampouco inteligência. É: de modo geral, a conclusão a que chego é que a maioria dessas revistas não respeita a inteligência de suas leitoras.


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

roselysayao@folhasp.com.br

blogdaroselysayao.blog.uol.com.br


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