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ROSELY SAYÃO
A mulher das revistas
[...] A oferta
de passo-a-passo
e check-list dos mais variados assuntos
é incrível
Que mulher consegue
se encaixar no perfil
de leitoras traçado
pelas revistas femininas? Para tentar apreender
que mulher é essa -a quem as
revistas destinam seus trabalhos-, por dois meses acompanhei as edições de várias delas.
A primeira coisa que percebi
é que essa mulher precisa lidar
com uma grande contradição,
já que a mesma edição que fala
exaustivamente de dietas e faz
apologia do corpo magro também oferece receitas ma-ra-vi-lho-sas de delícias engordativas. Em resumo: as revistas colocam suas leitoras num círculo
vicioso porque estimulam o
apetite e, ao mesmo tempo,
afirmam que é preciso emagrecer. Uma mesma edição, por
exemplo, dá uma receita de macarrão com creme de leite e fala
sobre uma dieta de alimentos
crus. Mas que coisa, não?
Outra característica que salta
aos olhos já na capa das revistas
é que as mulheres devem apreciar os números que revelam
grandes quantidades -menos
na balança, é claro. Sempre há
chamadas que apontam 365
maneiras de se vestir bem para
uma entrevista de emprego ou
para seduzir um homem, 68 dicas para se manter sempre jovem, 43 idéias para renovar o
visual, 87 cortes de cabelo, 13
formas de superar as crises no
relacionamento amoroso etc.
Ah! Além disso, as mulheres
devem ser práticas, realistas e
bem objetivas. O que há de
oferta de guias práticos, passo-a-passo e check-list dos mais
variados assuntos, inclusive relacionamento familiar, é uma
coisa incrível. As revistas imaginam que as mulheres querem
saber como viver porque não
querem perder tempo pensando na questão, e essa idéia certamente foi inspirada em publicações estadunidenses que
usam e abusam do "how to do"
que por lá faz sucesso.
Na mesma linha da objetividade, há os testes, que proliferam nessas revistas. Teste para
a mulher descobrir se conhece
os homens, se é ciumenta, se
mostra segurança, se está pronta para um relacionamento, se
dá tudo de si para subir na vida,
se sabe poupar, se é isso ou
aquilo. Influência dos tempos
em que a psicologia cultuava os
testes e resultados? Pode ser.
Mas a imagem da mulher como um ser que passa a maior
parte de seu tempo pensando
em sexo, em como seduzir, em
como ser e parecer sensual, em
como dar e ter prazer, em como
superar "a outra" de seu par na
cama e coisas desse tipo é o que
mais evidencia a idéia estereotipada e desgastada de mulher
que norteia essas publicações.
As revistas transpiram sexo, e
assim o é porque certamente
acreditam que assim são ou devem ser as mulheres.
Portanto, nas linhas e nas entrelinhas, o que as revistas
apontam é que a mulher é narcisista por excelência e que toda a vida dela tem a ver com
gente famosa, decoração, moda
e beleza, corpo malhado, dietas,
lazer, profissão, sexo, sexo, sexo
e relacionamento amoroso e familiar no sentido mais vulgar
que podemos ter disso.
Para essas revistas, a mulher
não se angustia com a vida como ela é, não tem dúvidas existenciais, sofre porque não sabe
como viver sem sofrer, não fica
inquieta ou perplexa com seu
tempo, não tem conflitos, não
persegue utopias, não tem senso crítico e tampouco inteligência. É: de modo geral, a conclusão a que chego é que a maioria
dessas revistas não respeita a
inteligência de suas leitoras.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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