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A revolução dos bichos
Pedro Azevedo/Folha Imagem
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Murilo Matheus Ranocchia, 9, que freqüenta sessões com animais para melhorar seu desempenho na escola |
Pesquisas mostram que efeitos benéficos do convívio com animais vão além do aumento da sociabilidade e colaboram na reabilitação motora e até na recuperação da memória
KARINA KLINGER
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A medicina parece estar aumentando suas apostas
no papel que os animais podem ter além do convívio com os homens. Hoje, no Brasil, as universidades têm aberto mais as portas para experiências que
queiram comprovar a eficácia da zooterapia. O assunto vai entrar pela porta da frente na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo. Neste segundo semestre, a disciplina de zooterapia será
incluída no currículo dos alunos do segundo ano. As
aulas, que começam no mês que vem -por causa do
atraso provocado pelos 106 dias de greve no primeiro
semestre- já estão com as vagas esgotadas. "O assunto é novo por aqui e faltam pesquisas na área, por
isso vamos iniciar o curso. Os médicos ainda são
muito céticos em relação a essa terapia. É preciso
prová-la por meio de uma metodologia científica",
diz a veterinária Maria de Fátima Martins, professora da USP, no campus de Pirassununga, interior de
São Paulo. Na UnB (Universidade de Brasília), desde
março, uma equipe de veterinários e médicos estuda
os efeitos da terapia mediada por cães no tratamento
de pacientes com mal de Alzheimer, doença degenerativa que causa a morte dos neurônios e que tem como sintoma inicial a perda da memória imediata.
Todas às quartas-feiras pela manhã, os cães Ventus, um boiadeiro bernês de sete anos, e Barney, um
golden retriever de um ano e meio, freqüentam o
Centro de Referência para os Portadores da Doença
de Alzheimer, que funciona no Centro de Medicina
do Idoso do hospital universitário, onde os pacientes
participam de sessões de fisioterapia e trabalham
com a ajuda de neuropsicólogos e psiquiatras.
Segundo o geriatra Renato Maia, coordenador do
centro, os resultados são visíveis. O fato de os pacientes se lembrarem dos cães no início e no final da sessão, por exemplo, já é considerado um grande feito
para quem tem esse tipo de doença. "À medida que
são expostos, os pacientes apresentam uma recuperação imediata da memória. Lembram de fatos que
nem sempre discutem com a psicóloga. Muitos deles
também voltaram a falar, algo que não faziam mais."
O projeto da UnB já atendeu 32 pessoas. "Estamos
agora computando os dados. A mudança no humor
dos pacientes é evidente, mas queremos mais informações. No exterior, a terapia com animais em contato com crianças é mais desenvolvida. Já vi estudos
que mostraram, por exemplo, como a zooterapia reduziu o consumo de analgésicos entre os pequenos
pacientes de oncologia. Com relação aos idosos, ainda falta muito", diz Maia.
Pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária, em parceira com a Faculdade de Odontologia,
ambas da Universidade Estadual de São Paulo
(Unesp), do campus de Araçatuba, iniciaram, em
2003, um projeto de pesquisa para investigar as reações que os animais provocam em crianças com necessidades especiais, como as que sofreram paralisia
cerebral, as portadoras da síndrome de Down e de
outros tipos de comprometimento mental. Desde
outubro passado, Spike, Cacau e Monalisa, cães labradores, e Raja, um golden retriever, passeiam com
seus proprietários pela sala de espera do setor de
atendimento ao público da Faculdade de Odontologia. "Eles ajudam as crianças a se distraírem e as
acalmam", diz a médica veterinária Valéria Nobre,
uma das responsáveis pelo projeto.
"Antes, alguns pacientes podiam ser atendidos
apenas mediante sedação. Hoje, isso mudou. Os
mais agitados depositam a ansiedade nos cães e entram mais tranqüilos na sala da dentista, o que prova
que é mesmo possível reduzir o uso de medicamentos", comemora Valéria, que busca mais informações para concluir a pesquisa sobre o tema.
Apesar de o interesse pela área da zooterapia ser
recente no país, ela já rende bons frutos na prática.
Quem prova a tese é a aposentada Maria Marques,
84, que, com a ajuda de um cão, teve sucesso em suas
sessões de fisioterapia. "Antes sentia dor. Com as
sessões com Dim-Di [um golden retriever de três
anos], minha perna voltou a mexer", diz ela.
Maria também faz parte de um projeto que tenta
provar que os animais fazem jus ao título "melhor
amigo do homem". O método utilizado na fisioterapia que ela faz é fruto do trabalho de conclusão de
curso do fisioterapeuta Vinícius Fava Ribeiro, que
teve a idéia de usar os cães como uma ferramenta.
Segundo Ribeiro, o cão é usado como estímulo em
todos os exercícios das sessões de fisioterapia.
"Quando escovam o animal ou brincam com ele, os
pacientes trabalham o equilíbrio e estimulam a
coordenação motora", afirma.
A também fisioterapeuta Claudinea Guedes Hanashiro, parceira de Ribeiro, conta que a presença
do animal não só serviu de estímulo aos pacientes
para que não faltassem às sessões mas trouxe resultados positivos para a melhora da saúde física e
mental dos participantes. "Uma de nossas pacientes,
que teve derrame, não mexia a mão direita durante
as sessões de fisioterapia convencional. Hoje, ela
movimenta a mão quando o cão está presente", diz.
"Outra paciente tem depressão e vive em estado de
dormência, não reage a nada, a não ser quando o cão
se aproxima. Aí, ela abre os olhos e até pronuncia algumas palavras", afirma Claudinea.
Diante dos bons resultados do trabalho de Ribeiro,
o Cão do Idoso -um projeto iniciado em 2000 por
voluntários, em que cães são levados a asilos em São
Paulo- adotou a técnica. Hoje, o projeto atende cerca de 150 idosos e tem 42 voluntários. Ribeiro faz
uma observação importante: "O trabalho tem dado
certo porque os idosos conseguiram facilmente estabelecer um vínculo com os cães. Esse relacionamento é fundamental para que as sessões prossigam de
maneira tranqüila e segura".
Além de as universidades investirem em estudos
dessas terapias -Terapias Assistidas por Animais-, outros programas que usam os animais para promover bem-estar às pessoas -Atividades Assistidas por Animais- também têm encontrado
respaldo de profissionais da saúde.
A psicopedagoga Liana Pires Santos começou a
usar cães, ratos, coelhos, porquinhos-da-índia e até
algumas aves para auxiliá-la no trabalho com crianças e adolescentes. "Nos últimos dez anos, vi que os
animais tornavam o trabalho mais atrativo e que podiam ser usados para auxiliar no tratamento de problemas de linguagem, de percepção corporal e de
controle da ansiedade. A experiência mostrou-se
promissora no tratamento de crianças com hiperatividade e com quadros depressivos", diz Liana.
Murilo Matheus Ranocchia, 9, freqüenta as sessões
com os animais para melhorar o seu desempenho na
sala de aula. Atualmente, ele estuda matemática com
a ajuda dos ratinhos que acabaram de nascer. "É
muito melhor com os bichos", conta. "Após dois
anos, ele evoluiu muito nos estudos", diz Arlete Matheus Ranocchia, mãe do estudante.
Segundo a psicopedagoga, que também trabalha
com cavalos, esses métodos trazem novas formas de
socialização, autoconfiança e elevam a auto-estima.
"Como acontece com crianças hiperativas, controlar
a velocidade do cavalo, por exemplo, pode lhes ensinar a lidar com a ansiedade." Liana coordena, na
Fundação Selma, em São Paulo, um serviço de equoterapia para pacientes de reabilitação física.
Uma das pioneiras no uso na zooterapia no país, a
médica veterinária e psicóloga Hannelore Fuchs
coordena o projeto Pet Smile, em São Paulo, há quase dez anos. Ela -que fundou a Abrazoo (Associação Brasileira de Zooterapia)- e uma dezena de voluntários levam animais para interagir com crianças
e adolescentes em hospitais ou em instituições. Nas
visitas, as vedetes são cães, gatos e coelhos.
"Além de servir como distração, a visita dos animais é importante para a saúde das crianças. Pesquisas mostram que boas emoções interferem de maneira positiva no sistema imunológico", afirma a pediatra Maria Tereza Gutierrez, da Santa Casa de São
Paulo. Segundo a médica, a visita gera bons frutos no
ambiente hospitalar, interferindo no humor não só
dos pacientes mas de enfermeiros e médicos.
Para Hannelore, a zooterapia tem muito o que
amadurecer. "Há bons profissionais da área da saúde que se interessem pelo tema, mas não têm conhecimento sobre os animais. Por outro lado, há profissionais da medicina veterinária que conhecem bem
o animal, mas sabem pouco sobre os seres humanos." O caminho, para avançar, parece ser mesmo a
aposta das universidades.
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