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Outras idéias - Michael Kepp
Eu, homossexual?
Ninguém considera
você um craque na
cozinha se sabe fazer
um suflê soberbo
nem um ás dos esportes radicais se, uma vez, foi voar de asa-delta com um instrutor. Mas faça outro mergulho experimental: passe uma noite de intimidade, ou mesmo cinco minutos
eróticos, com alguém do mesmo sexo e, "voilà", você é homossexual de carteirinha. Eu
nem precisei ousar tanto para
ouvir meu nome e a palavra
"veado" na mesma sentença.
Só precisei dividir meu apartamento com um gay. Ele era o
amigo brasileiro de uma amiga
minha, e eu era o americano
não homofóbico que acabara de
mudar para o Rio sem fiador
para alugar apartamento. Mas,
depois que meus colegas, um
grupo de correspondentes estrangeiros, descobriram quem
morava comigo, o boato se espalhou: "É coisa de boiola".
Nem ter uma namorada carioca abafou a fofoca.
Por fim, um colega do "New
York Times" veio me falar das
suspeitas do grupo. "Mike, todo
mundo quer saber se você é gay
ou não", ele disse. "Bem", respondi, "venho pagando uma carioca para fazer papel de namorada para que esses boatos não
se espalhassem. Acho que estou
jogando dinheiro fora".
O homofóbico não entendeu
meu senso de humor e repetiu
minha confissão, sem o tom
irônico, para os outros colegas.
Foi quando alguns começaram
a me evitar em eventos sociais,
algo que ficou mais evidente
depois do fim do meu namoro.
Durante esse período, o diretor de elenco de um filme, um
longo clipe musical que Mick
Jagger estava fazendo no Rio,
perguntou se eu queria fazer
teste para ser o cabeleireiro gay
de Mick. Eu havia passado alguma vibração gay? Não, eu fazia
o Charlie Brown no musical
montado pela comunidade
americana no Rio, baseado nos
personagens do Snoopy. E o diretor achou que a voz em falsete que eu usava para interpretar o menino de cinco anos me
tornava perfeito para o papel.
Antes do teste, ele perguntou: "Você é gay?". "Não", eu
disse, "por quê?". "Se fosse, ficaria mais convincente no papel", ele respondeu. Por quê?
Ser o cabeleireiro de Mick exigia falar com voz levemente
histérica e abanar os braços.
Basta imaginar Tom Cavalcante imitando Clodovil em um
ataque de ansiedade. Durante
meu teste, virei essa caricatura.
Mas o painel que me julgava
disse que eu não era bicha-louca o bastante. Alguém que o era,
o superafetado cabeleireiro de
Mick, ficou com o papel.
Se eu tivesse dito que era gay,
talvez ficasse com o papel. Como os colegas me ensinaram:
diga às pessoas aquilo em que
querem acreditar, e elas acreditarão. É como o preconceito ganha seu palco e sua platéia fácil
de agradar. Por isso se perpetuam mitos, como a crença de
que a homossexualidade não é
natural. Ser gay não é anomalia.
Nem mesmo é preferência. É
uma inclinação irresistível.
Porque, se pudesse escolher
sua sexualidade, por que alguém optaria por uma que
ofende e intimida tanta gente?
MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 24 anos no Brasil, é autor do livro de
crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e
Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)
www.michaelkepp.com.br
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