São Paulo, quinta-feira, 26 de outubro de 2006
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

crianças

Puberdade na pré-escola

Agentes contaminantes como remédios, cosméticos e poluentes ambientais podem estar ligados ao risco de puberdade em crianças


[...] Os hormônios sexuais são facilmente absorvidos pela pele e resistem mais do que outros hormônios à degradação


DARSHAK M. SANGHAVI
DO "NEW YORK TIMES"

Os pais costumam achar que seus filhos estão crescendo depressa demais, mas poucos estão preparados para o problema que o médico Michael Dedekian e seus colegas da Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts reportaram recentemente.
Na reunião anual da Sociedade Acadêmica de Pediatria, em maio deste ano, em San Francisco, eles apresentaram um relatório que descrevia como uma menina em idade pré-escolar e seu irmão, que estava no jardim da infância, começaram misteriosamente a desenvolver pêlos púbicos. Os casos não eram isolados. Em 2004, endocrinologistas de San Diego divulgaram o problema em grupo semelhante de cinco crianças.
Já houve diversos episódios de crianças que desenvolveram sinais precoces de puberdade, surtos semelhantes a epidemias de gripe. Em 1979, a revista britânica "Lancet" descreveu um caso de crescimento de seios em centenas de pré-adolescentes italianas, provavelmente relacionado a episódios de contaminação de carne bovina e de aves por estrogênio.
Há cada vez mais médicos preocupados com a possibilidade de que as crianças sofram maior risco de incidência de puberdade precoce devido à presença de agentes contaminantes (como remédios, cosméticos ou poluentes ambientais), conhecidos como "perturbadores endócrinos" e capazes de causar crescimento de seios e outros sintomas.
A causa mais comum dos surtos de puberdade precoce em crianças é a exposição acidental a componentes químicos devido a produtos ou medicamentos usados incorretamente.
A primeira paciente de Dedekian foi examinada em busca de possíveis problemas endócrinos genéticos ou de um raro tumor cerebral antes que a causa de sua puberdade fosse descoberta. Exames provaram que seu nível de testosterona era quase cem vezes superior ao normal e se assemelhava ao de um homem adulto. O mesmo problema acometia seu irmão.
Os médicos perceberam que o pai da menina estava usando um creme de pele com testosterona concentrada, adquirido em uma farmácia on-line, para fins cosméticos e de melhora do desempenho sexual. Em função do contato normal entre as peles das crianças e a de seu pai, a testosterona foi absorvida pelos organismos de ambas, o que causou crescimento dos pêlos púbicos e dos órgãos genitais.
Os hormônios sexuais são potentes porque absorvê-los pela pele é fácil e porque resistem mais do que outros hormônios à degradação.
Kenneth Lee Jones, ex-diretor de pediatria da Universidade da Califórnia em San Diego, mencionou casos pediátricos semelhantes aos descritos por Dedekian, em artigo para a revista "Pediatrics", em 2004.
Naquela época, proto-hormônios de venda livre, como o Andro -que se tornou notório por ter sido empregado por Mark McGwire, famoso rebatedor de beisebol norte-americano, e que foi proibido por lei federal em 2005- estavam disponíveis em forma de spray para uso tópico e eram usados para estimular a libido. Jones disse que os sprays usados por adultos em certos domicílios terminavam por impregnar os lençóis das crianças, e os casos de puberdade precoce só eram revertidos quando os adultos abandonavam o uso dos sprays.

Outras causas
Produtos contendo testosterona não são a única causa de perturbações da puberdade em crianças. Em estudo publicado pela revista "Clinical Pediatrics" em 1998, Chandra Tiwary, ex-diretor de endocrinologia pediátrica do Centro Médico Militar Brook, no Texas, reportou um surto de desenvolvimento precoce de seios em quatro meninas negras que usavam xampus contendo estrogênio e extrato de placenta. Os sintomas de puberdade precoce desapareceram assim que o uso foi interrompido.
Seguindo a tradição de médicos do passado que se expuseram a patógenos, Tiwary testou os xampus. Ele mediu o nível dos hormônios masculinos e femininos em seu corpo para estabelecer uma referência, usou os xampus por alguns dias e depois repetiu o teste.
Embora Tiwary não hesite em admitir que suas conclusões, jamais publicadas, devem ser interpretadas com cautela, houve alteração de até 40% em alguns de seus níveis hormonais depois do uso dos xampus.

Poluição ambiental
Cientistas ambientais alegam também que certos poluentes industriais e farmacêuticos podem prejudicar o desenvolvimento sexual de animais. Por extensão, também poderiam contribuir para a puberdade precoce ou perturbada em crianças, dizem.
Robert Havelock, toxicologista sênior e especialista em assuntos de reprodução na EPA (Environmental Protecion Agency, agência de proteção ambiental norte-americana), diz que essas questões "fizeram com que as preocupações quanto à poluição ambiental passassem a enfatizar menos o câncer e mais outras doenças na última década".
Em 1994, cientistas constataram que produtos químicos semelhantes ao estrogênio, gerados por fabricantes de plástico e contaminado os esgotos da Inglaterra, haviam levado peixes originalmente machos a se desenvolverem como fêmeas.
Em 1989, a FDA (Food and Drug Administration, agência federal norte-americana que fiscaliza e regulamenta alimentos e medicamentos) propôs permitir a presença de até 10 mil unidades de estrogênio por 28 gramas de cosmético, o que equivale à dose oral aproximada de uma terapia de substituição de hormônio para mulheres na menopausa.
Consultada por e-mail, uma porta-voz da FDA afirmou que a agência estava "ciente de alguns relatórios descrevendo desenvolvimento sexual precoce" devido ao uso de xampus, mas que havia concluído que "não há razão para que os consumidores se preocupem".
No momento, "materiais de placenta não são proibidos ou restringidos pelos regulamentos quanto a cosméticos" da FDA, escreveu ela.
Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: Cavaquinha grelhada com purê de banana-da-terra e emulsão de mostarda
Próximo Texto: Neurônios em forma
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.