São Paulo, quinta-feira, 27 de janeiro de 2005
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Quando os números mentem

Médicos alertam para os riscos de medir a pressão na rua ou em farmácias

Iara Biderman
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"Quer medir a pressão?". Quando ouviu a pergunta, feita na agitada avenida Paulista, Dante Giorgi achou que era piada. Não por considerar o controle da pressão assunto pouco sério. Cardiologista do Incor (Instituto do Coração) de São Paulo e secretário da Sociedade Brasileira de Hipertensão, o médico sabe que medir a pressão arterial é algo seriíssimo e importante -desde que feito de modo correto e em condições adequadas. "É melhor não medir a pressão do que medir errado", afirma Paulo Olzon Monteiro da Silva, nefrologista e professor de clínica médica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Na maioria dos casos, o resultado da aferição feita nas ruas ou em farmácias é incorreto, alterando a pressão real para cima ou para baixo, dizem os médicos ouvidos pelo Equilíbrio. "Os erros podem ser induzidos pelo observador [quem mede], pelo aparelho ou pela situação. O resultado é um número aleatório", diz Mauricio Wajngarten, cardiologista do Incor.
Aparelhos que não foram calibrados há mais de um ano, braçadeiras muito largas para pessoas magras ou apertadas demais para quem está acima do peso e ambiente barulhento são as causas mais comuns de resultados errados.
Associações médicas internacionais e nacionais, como a Sociedade Brasileira de Hipertensão (www.sbh.org.br), determinam critérios rígidos para a medição. A primeira condição estabelece que a pessoa que mede tenha sido devidamente treinada.
Apesar de o Ministério da Saúde, em parceria com as sociedades de cardiologia, nefrologia e hipertensão, oferecer esse tipo de treinamento, não é possível saber se o sujeito que aborda o pedestre ou mesmo o funcionário da farmácia estão capacitados, diz Giorgi. Isso acontece porque não há fiscalização.
Tomar como veredicto o resultado da pressão medida em condições inadequadas é uma das razões para que os médicos desaconselhem os exames feitos na rua ou na farmácia da esquina. "Tenho um paciente hipertenso que, por mais de 20 anos, acreditou que sua pressão era bem mais alta do que a real, que já é alta. Isso fez com que ele tomasse medicamentos em dosagem errada, que causavam mal-estar, e vivesse angustiado com a 'gravidade' de sua situação. Até hoje ele fica ansioso na hora de medir", conta Paulo Olzon. O médico acredita que resultados falsos geralmente induzem o paciente à automedicação.
Foi o que aconteceu com Neide Soares de Souza, 49, assistente de enfermagem. Mesmo depois de aprender o modo correto de medir, ela não sabia que, em pessoas mais gordas e com braços mais largos, como os dela, a braçadeira apertada demais altera o resultado para cima. "A braçadeira foi colocada na parte de cima do braço, como se faz geralmente. Quando vi que minha pressão estava 15x10 resolvi, por conta própria, tomar um remédio para baixar."
A medicação provocou tonturas, sudorese e mal-estar. Ao procurar um médico, descobriu que, no seu caso, o aparelho deve ser colocado no antebraço. E melhor: foi informada de que sua pressão é 13x8, considerada normal -segundo as diretrizes da Sociedade Brasileira de Hipertensão, a pressão é considerada alta se for igual ou superior a 14x9.
Enquadrar-se no time oposto, o dos que acreditam ter pressão baixa, é outro problema. "Quando meço, as pessoas falam que minha pressão é baixa", diz a recepcionista Verbenia da Silva Aguiar, 22.
Não se trata de diagnóstico médico. O "quando" a que ela se refere são situações de nervosismo e medo que fazem a recepcionista sentir tonturas e quase desmaiar. E "as pessoas" geralmente são os atendentes da farmácia mais próxima ou do ambulatório da empresa em que trabalha. Apesar de já ter passado várias vezes por essa situação, Verbenia nunca procurou um médico para avaliar o problema.
Mesmo tomando a pressão em condições adequadas, não se deve considerar um único resultado como definitivo: "A pressão arterial sofre grandes variações durante o dia; nem sempre uma única medida reflete o que está acontecendo", diz Denise Hachul, cardiologista do Hospital Israelita Albert Einstein.


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