São Paulo, quinta-feira, 27 de janeiro de 2005
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Entrevista

Terapeuta francês une fisioterapia e psicanálise para tratar distúrbios psicossomáticos

Massagem com divã

Iara Biderman
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Do caldo das terapias corporais e psicanalíticas, o francês Sèrge Peyrot, 56, tirou os ingredientes para criar o método que batizou de morfoanálise -um tratamento que unifica reposicionamento postural, conscientização corporal e massagens com terapia verbal baseada em teorias da psicanálise.
Formado fisioterapeuta clássico na Universidade de Marselha, França, no início de sua prática clínica Peyrot entrou em contato com o método criado pela francesa Françoise Mézières (1901-1991), uma das pioneiras da reeducação postural global (RPG).


A morfoanálise trabalha com três campos: o corpo real (músculos e ossos), o sensorial e o emocional


Ele aprendeu e adotou a técnica, mas, mesmo considerando-a muito eficaz, percebeu que não era suficiente para curar alguns tipos de distúrbios, especialmente aqueles chamados, de forma genérica, psicossomáticos (reações orgânicas produzidas por influências psíquicas). Foi então beber na fonte da psicanálise e, após um período de estudos intensivos, incluindo uma temporada com o psiquiatra e psicanalista suíço Jean-Jacques Sarkissoff, deu corpo à sua teoria morfoanalítica.
Em 1983, foi procurado em Marselha por um brasileiro interessado em trazer o método para o Brasil. Dois anos depois era formada a primeira turma de estudantes; em 2002, foi criada a Associação Brasileira de Terapeutas Morfoanalistas (ABTM, www.abtm.com.br). Na Europa, a terapia é reconhecida pela Federação das Escolas de Psicoterapia da França e da Espanha.
Peyrot viaja com freqüência para o Brasil, Espanha e Suíça, onde dá aulas de formação em morfoanálise (o curso dura quatro anos; não é preciso formação em outra área). Quando não está fora, ensina e atende em Grenoble, na França, onde vive. De sua casa, nos Alpes franceses, falou com exclusividade ao Equilíbrio.
 

Equilíbrio - Por que partir da manifestação corporal e não da expressão verbal, como no tratamento psicanalítico convencional?
Sèrge Peyrot -
A vantagem é que o corpo é algo muito concreto, de acesso relativamente simples. O corpo é a caixa de ressonância de toda a vida afetiva, emocional, física, sexual, amorosa. Ele tem uma linguagem própria. O problema é que o paciente não conhece essa linguagem ou não sabe decodificá-la. O morfoanalista, além de tratar os sintomas físicos, ajuda o paciente a decodificar essa linguagem. Podemos dizer que, na morfoanálise, a manifestação corporal tem o mesmo estatuto e o mesmo valor que o sonho na psicanálise ortodoxa.

Equilíbrio - Como surgiu a idéia de unir, no mesmo processo terapêutico, as técnicas corporais e verbais?
Peyrot -
Há 25 anos, como fisioterapeuta, eu tratava pessoas que tinham dores crônicas, para as quais ninguém encontrava as causas nem a cura. Esses pacientes, chamados de incuráveis, eram muitas vezes considerados histéricos. Não era levado em conta o valor da expressão da memória corporal a partir do sintoma. Quando o corpo expressa um sofrimento, uma dor, isso tem, na maioria dos casos, um componente psíquico. Se só é tratada a parte fisiológica ou biomecânica do sofrimento, não se chega à cura. Percebi que era preciso ajudar esse tipo de paciente a sentir o corpo e a poder falar e pensar sobre aquilo que sentia.

Equilíbrio - Nessa época, além de fisioterapeuta, o senhor também tinha alguma formação em psicoterapia?
Peyrot -
A formação em psicoterapia veio a partir da experiência com os pacientes considerados incuráveis. Comecei a pesquisar, formei um grupo de estudos, fiz cursos de psicologia e terapia corporal, até chegar à psicanálise. Conheci um psiquiatra e psicanalista suíço, [Jean-Jacques] Sarkissoff, que tinha desenvolvido um tipo de terapia com acompanhamento verbal muito particular. Fiz um trabalho profundo com ele e isso foi um grande passo na minha vida.

Equilíbrio - A parte verbal da terapia morfoanalítica é um tipo de psicanálise?
Peyrot -
A nossa terapia não é psicanálise. Mas nossa referência teórica é psicanalítica, particularmente as correntes [dos psicanalistas] Melanie Klein (1882-1960) e [Donald W.] Winnicott (1896-1971).

Equilíbrio - E qual é a linha na parte corporal?
Peyrot -
É o método das cadeias musculares, desenvolvido por Françoise Mézières. Um dos princípios do método é que o excesso de tensão muscular acaba provocando compressões e deformações, hipertonias [aumento do tônus] e retrações. Outra premissa é que todos os músculos do corpo funcionam juntos, de tal forma que, quando um músculo sofre hipertensão ou retração, isso é informado a toda a cadeia muscular. O trabalho do terapeuta é desfazer essas cadeias de tensões e reposicionar o corpo, considerado sempre em sua totalidade.

Equilíbrio - Além do trabalho corporal, o que mais é feito em uma sessão de morfoanálise?
Peyrot -
O paciente chega com uma queixa e o terapeuta propõe um trabalho corporal -pode ser um tipo de massagem ou o estiramento da cadeia muscular posterior, por exemplo. Durante esse trabalho, o paciente modifica as tensões do corpo e, a partir disso, associa o que acontece no corpo aos seus sentimentos, suas sensações e lembranças. O trabalho corporal desperta um monte de associações com as outras áreas. Trabalhamos com três campos: o que chamamos de corpo real (músculos e ossos), o corpo sensorial (sensações, prazer, dor) e o corpo emocional, que armazenou toda a nossa história. O trabalho morfoanalítico favorece a comunicação entre esses três corpos.

Equilíbrio - Quanto tempo dura o tratamento?
Peyrot -
Como é uma terapia analítica, o tempo do tratamento é determinado pela evolução do processo terapêutico e varia muito de um paciente para outro. Pode durar de meses a anos. Respeitamos muito o ritmo e a determinação de cada um. Se uma pessoa conseguiu um certo equilíbrio, sente-se bem com isso e quer continuar sozinha, tudo bem, o contrato está cumprido.

Equilíbrio - O morfoanalista trabalha em conjunto com médicos de outras áreas?
Peyrot -
Recebemos pacientes encaminhados por psiquiatras, clínicos-gerais e também aconselhamos nossos pacientes a procurar outros profissionais, quando é o caso. Recentemente, tive um paciente com depressão profunda mas que não queria tomar remédios. Insisti para ele procurar um psiquiatra e se medicar, e ele acabou aceitando. O morfoanalista não prescreve medicamentos, mas encaminha pacientes para especialistas, tanto alopatas quanto homeopatas.


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