São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 2000
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Mesmo sem comprovação científica, novas técnicas e clínicas se espalham pelo país, prometendo bem-estar e até a cura do câncer
O fascínio crescente por terapias alternativas

Jayme de Carvalho Jr./Folha Imagem
A terapeuta paulista Fátima Jotta aplica sessão de cromoterapia e massagem energética em clínica Spaço Corpo Mente em Equilíbrio no Itaim


DANIELA FALCÃO
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO

Visto por fora, o sobrado 34 da rua Luiz Mazzarolo, na Vila Clementino, não tem nada que o diferencie das demais casas do bairro na zona sul de São Paulo. Mas basta cruzar a porta e se deparar com paredes decoradas com ideogramas japoneses, mesas cheias de velas aromáticas e almofadas coloridas pelo chão para perceber que há algo de alternativo no ar. Pelo menos três vezes por semana, é lá que se reúnem leigos e iniciados interessados em aprender mais sobre reiki, sistema de cura alternativo descoberto no final do século passado pelo monge japonês Mikao Usui. Procurado cada vez mais por brasileiros para curar uma infinidade de problemas -de depressão e enxaqueca crônica a câncer e dores localizadas-, o reiki é uma das terapias alternativas que mais cresce no país (leia mais na página ao lado).
Mas não é a única. O Conselho Federal de Terapia Holística calcula que haja pelo menos 150 mil profissionais espalhados pelo Brasil usando massagens, ervas medicinais, óleos aromáticos, cristais, cores, imãs, passes energéticos e até xixi para tentar curar ou simplesmente proporcionar bem-estar a quem os procura.
Decepção com a incapacidade da medicina tradicional de curar todas as doenças, desconfiança generalizada de autoridades, inclusive científicas, são as principais causas apontadas por médicos, psicólogos e terapeutas holísticos para explicar o boom das terapias alternativas.
"Acho que há dois motivos que explicam o aumento da procura: ignorância da população e o fato de a medicina não dar conta de todas as doenças. As novas drogas são eficientes, mas, como têm forte efeito colateral porque são muito tóxicas, dão ao paciente a impressão de que o tratamento é inadequado", avalia o nefrologista Nestor Schor, coordenador do Setor de Medicina Alternativa da Unifesp, criado para estudar essas técnicas.
O psicoterapeuta João Figueiró, do Centro da Dor do Hospital das Clínicas de São Paulo, também credita o boom das terapias alternativas às limitações da prática convencional. "As descobertas científicas na década de 50 geraram no mundo todo uma esperança iluminista em relação à medicina. Só que houve uma grande frustração porque os avanços esperados não aconteceram. O resultado dessa decepção é que, nas décadas de 70 e 80, começaram a florescer as buscas alternativas", diz.
O boom alternativo despertou curiosidade e, em alguns casos, ira da comunidade médico-científica, que passou a cobrar dos terapeutas provas e explicações científicas de como as técnicas atuam no organismo. Pesquisas que atendam aos rígidos padrões estabelecidos pela ciência ainda são raridade, mesmo nos EUA e na Europa, onde a busca pela medicina alternativa virou mania mais cedo do que no Brasil (leia texto acima).
Parte da desconfiança da comunidade médica se deve ao fato de muitas terapias usarem elementos místicos ou espirituais como base da cura. É o caso da aura-soma, que mescla princípios da aroma e da cromoterapia, da numerologia e até do tarô para curar tudo: da falta de energia até mal de Parkinson. "Temos relatos de cura de câncer e de aumento da imunidade em pacientes com Aids. Mas não recomendamos que ninguém abandone o tratamento convencional", diz Alberto Sodré, que antes de trabalhar com aura-soma era radiestesista -usava pêndulo e passes magnéticos para medir e harmonizar desequilíbrios energéticos do paciente.
Nem toda a comunidade de terapeutas holísticos vê com bons olhos a proximidade com práticas místicas. "Saí do consultório em que trabalhava porque tinha anúncios de terapeutas que faziam mil e uma coisas ao mesmo tempo. Não dá para ter credibilidade em alguém que só falta montar uma tenda no consultório" critica a nutricionista e iridologista Célia Mara Gama.
Mesmo sem comprovação científica, as terapias alternativas não param de crescer graças ao boca a boca de quem já foi beneficiado. Os próprios médicos admitem que elas podem ter um efeito positivo no combate a algumas doenças, sobretudo dor e problemas de fundo emocional. "Técnicas de massagem são capazes de mobilizar substâncias químicas e anticorpos que ativam a cura. Só o fato de o paciente acreditar na possibilidade de ficar bom já ajuda muito. Todo organismo tem uma capacidade de regeneração que pode ser mobilizada por técnicas não-convencionais", afirma João Figueiró.
Ainda assim, o psicoterapeuta é reticente na hora de recomendar o uso. "Não sei se é ético cobrar sobre o que não sabemos se funciona. Mas, se o paciente acredita e se a terapia não causa malefício, será que é ético condenar?", questiona. Para Schor, mesmo que as terapias sejam inócuas, não há porque condenar desde que não façam mal. "Todo mundo sabe que quando a criança cai, a dor passa com o toque da mãe, que tem efeito semelhante ao de muitas massagens terapêuticas. É o sistema neuronal em ação, liberando substâncias como seratonina e endorfina. A mesma coisa acontece quando sentimos odores que nos deixam tranquilos. O ser humano gosta de ser massageado, tocado. É ótimo. Só que não é medicina", diz. Sobre a urinoterapia, é menos complacente. "É um absurdo! Qualquer um percebe que não faz sentido colocar para dentro o quer o organismo já rejeitou."
Só o fato de o paciente acreditar na possibilidade de ficar bom já ajuda muito. Todo organismo tem uma capacidade de regeneração que pode ser mobilizada por técnicas não-convencionais", afirma João Figueiró. Ainda assim, o psicoterapeuta é reticente na hora de recomendar o uso. "Não sei se é ético cobrar sobre o que não sabemos se funciona. Mas, se o paciente acredita e se a terapia não causa malefício, será que é ético condenar?", questiona.

Toques e bem-estar
Nestor Schor, médico da Unifesp, também é contra a crucificação de todas as terapias alternativas. Segundo ele, mesmo que as terapias sejam inócuas, não há porque condená-las, desde que não façam mal. "Mesmo se não tiverem efeito científico, elas podem ser úteis no processo de cura. Sempre que uma pessoa acredita na eficácia de uma intervenção, existem mecanismos mentais que, ainda que inócuos, terminam tendo resultado favorável. Só ter confiança no médico já é meio caminho andado", diz Schor.
Para explicar o sucesso das técnicas alternativas, o médico recorre às experiências da infância. "Todo mundo sabe que, quando a criança cai, a dor passa com o toque da mãe, que tem efeito semelhante ao de muitas massagens terapêuticas. É o sistema neuronal em ação, liberando substâncias como seratonina e endorfina. A mesma coisa acontece quando sentimos odores que nos deixam tranquilos. O ser humano gosta de ser massageado, tocado. É ótimo. Só que não é medicina", afirma.
Sobre a urinoterapia, é menos complacente. "É um absurdo! Qualquer um percebe que não faz sentido colocar para dentro algo que o organismo já rejeitou. Se descartamos por meio da urina ou das fezes, é porque estava fazendo mal ou não tinha mais função nenhuma." O conselho que Schor dá para separar terapias inofensivas das perigosas é usar bom senso. "Basta não aceitar o que parece esdrúxulo demais."


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