São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 2000
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

firme e forte

Quando a ioga vira sinônimo de malhação

KARINA KLINGER
DA REPORTAGEM LOCAL

Técnica de relaxamento, ginástica, tipo de meditação... Mesmo que muitas pessoas não saibam definir o que é, a ioga está cada vez mais popular, a ponto de invadir as academias de ginástica. Os mestres tradicionais, porém, não vêem com bons olhos a popularização desse sistema filosófico criado na Índia há cerca de 5.000 anos. Para eles, as aulas das academias priorizam os movimentos físicos em detrimento da compreensão da filosofia como um todo. Os professores das academias rebatem a crítica dizendo que nem todos os alunos querem se aprofundar. Polêmica à parte, o fato é, que com a power ioga, a ioga em geral está deixando de ser uma atividade para "iniciados".
Conceituar ioga é uma tarefa difícil. Engana-se, por exemplo, quem acredita que o relaxamento é seu principal objetivo. A ioga tradicional é um conjunto de práticas -exercícios físicos, de respiração, concentração e meditação- que visa equilibrar corpo e mente incluindo o trabalho com os chacras, centros de energia espalhados pelo corpo. Segundo a terapeuta Márua Roseni Pacce, do Ganesha/Núcleo de Ioga, como os chacras estão relacionados às glândulas endócrinas fazer ioga causa mudanças no metabolismo. Os estudiosos dizem que as técnicas respiratórias, por exemplo, aumentam a oxigenação do sangue e a capacidade pulmonar. Já os exercícios físicos incluem movimentos para trabalhar a musculatura e aumentar a flexibilidade, além de contrações que, por massagear os órgãos internos, levam a uma purificação do organismo. "Há trabalhos que comprovam que existe uma transformação biológica e fisiológica. Algumas clínicas de cardiopatia nos EUA já praticam a meditação como técnica reconhecida na profilaxia nos tratamentos da doença", afirma Pacce. Para quem segue a tradição como ela, os exercícios da power ioga valorizam um único aspecto da ioga tradicional. "A ioga não é fitness, é muito mais que um alongamento", argumenta. Essa opinião não parece ser compartilhada por Luciane Cortês Barbosa, professora da academia Competition. "A power ioga é um trabalho de alongamento, que tende mais para o lado físico." Em suas aulas, os alunos costumam usar blocos de madeira, cintos e faixas para ajudar nos exercícios, que não são muito fáceis. "Geralmente os iniciantes têm dificuldades nas primeiras aulas", conta Barbosa, que também dá aulas de iyengar ioga, que privilegia o alinhamento e a postura (leia mais sobre essa e outras modalidades de ioga na página ao lado). Invenção A dificuldade enfrentada por quem está começando é um dos aspectos negativos da power ioga apontados pelo mestre De Rose, presidente da Confederação Nacional de Ioga. "Os exercícios são muito forçados, e as pessoas inexperientes acabam se machucando", explica. Adepto da escola tradicional, De Rose faz questão de pronunciar "iôga" e afirma que a power ioga é "uma invenção sem fundamento". Basta assistir a uma aula de power ioga para ver que essa modalidade foge do cenário normalmente associado à ioga, que evoca ambientes tranquilos e pessoas relaxadas. Os movimentos da power ioga são complicados e exigem um bom condicionamento físico, como reconhece a professora Catherine Lobos, da Fórmula Academia. "Não é uma aula de relaxamento, nós trabalhamos muito com o físico", explica, acrescentando que, geralmente, os alunos de power ioga praticam outras atividades físicas. Em suas aulas, ela mantém o ritmo puxado e não aborda aspectos filosóficos. Mesmo assim, costuma acender incenso e aquecer a sala para dar uma atmosfera diferenciada às suas aulas. Longe do estresse Divulgada há apenas três anos no Brasil, a power ioga veio dos Estados Unidos. Segundo as academias, 90% dos alunos são mulheres de 25 a 45 anos que querem se livrar do estresse. Acostumada a fazer ioga há 12 anos, a escritora Kátia Ito, 37, resolveu trocar a escola tradicional pela power ioga. Segundo ela, as duas técnicas são distintas. "Na power, os exercícios são mais completos. Vejo a aula como uma forma de exercício físico e mental", afirma. Já a professora Ursula Karsch, 61, não troca as sessões de ioga tradicional com a terapeuta Pacce por nada. Segundo ela, que aproveita as aulas para desabafar e relaxar, os exercícios até a ajudaram a parar de fumar. No shopping O shopping Eldorado (av. Rebouças, 3.970, Pinheiros, tel. 0/xx/11/3819-0688) está oferecendo aulas gratuitas de ioga e tai-chi-chuan no terceiro piso, em uma área próxima à movimentada e ruidosa praça de alimentação. As atividades são realizadas às terças e quintas-feiras, às 18h30. Aulas como essas, no meio da agitação, também são criticadas pelos tradicionalistas, que alegam que esse tipo de ambiente dificulta os exercícios de concentração. "As pessoas que fazem aulas em um lugar como um shopping center não estão procurando um envolvimento com a filosofia. Esquecem que ioga não é só exercícios, mas a busca de uma melhor qualidade de vida", ressalta De Rose. É mesmo difícil de imaginar que, no meio de um shopping, alguém consiga atingir o "samádhi", estado elevado de iluminação espiritual almejado pelos iogues tradicionalistas experientes. Para quem quer conhecer um pouco mais sobre ioga ou só relaxar depois do trabalho, porém, essas aulas podem ser suficientes.



Texto Anterior: Boquiaberto
Próximo Texto: Power ioga chega ao cinema
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.