São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2005
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Comportamento

Pais contrariam indicação médica e colocam bebês para dormir de bruços

Polêmica no berço

BRIAN BRAIKER
DO "NEW YORK TIMES"

Danica Stanciu estava ouvindo as queixas da amiga Natasha, que, como ela, teve um bebê recentemente. "Ela me ligou no me-io de uma noite insone e eu perguntei se ela queria saber o mais tenebroso segredo que eu tinha. Contei que deixava Elena dormir de barriga para baixo". Nos EUA, mães como Stanciu estão conduzindo um discreto motim contra os médicos, que advogam que os bebês devem dormir de costas, como precaução contra a síndrome da morte súbita infantil (Sids, na sigla em inglês). Os pais de recém-nascidos vêm, no entanto, descobrindo que os benefícios de uma noite de sono (mais provável caso durmam de bruços) superam o risco de Sids.
Todo pai vive com o espectro da morte súbita e inexplicável de um bebê saudável. Em 1992, depois de revisar pesquisas britânicas e australianas sobre a Sids, a Academia Norte-Americana de Pediatria recomendou que os pais colocassem as crianças para dormir de costas em seu primeiro ano de vida. Em 1994, o Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano dos EUA seguiu essa recomendação com uma campanha de educação pública. Na época, 70% dos bebês norte-americanos dormiam de bruços. Em 2002, o número havia caído para 11,3%. As mortes por Sids caíram de 1,2 por mil bebês nascidos vivos em 1992 para 0,57 por mil em 2002 (o último ano para o qual há estatísticas disponíveis), segundo o Centro Nacional de Estatísticas da Saúde norte-americano. Claramente, existe alguma conexão entre dormir de bruços e a Sids, mas os médicos ainda não sabem exatamente qual é. Novas pesquisas sugerem que alguns bebês que morrem de Sids são vítimas de uma confluência tóxica entre composição genética e fatores ambientais como os hábitos de dormir. Em 10 de outubro, a academia pediátrica lançou um alerta que volta a enfatizar a relação entre dormir de costas e uma incidência mais baixa de Sids. A academia também aconselhou os pais a amamentar os bebês naturalmente, a não deixá-los dormir de lado, a permitir que usem chupetas e a evitar deixar que os bebês compartilhem de suas camas. Ainda assim, a maior parte dos pediatras reconhece que, quando dormem de bruços, os bebês tendem a ter um sono melhor e mais profundo e a se assustar menos.


Quando dormem de bruços, os bebês têm um sono melhor


Apesar das advertências, um número crescente de pais começa a deixar de lado as recomendações. Mensagens em fóruns de discussão e listas de e-mail sobre bebês indicam que a tendência é um fato no EUA. No BabyCenter.com, que atrai cerca de 3,5 milhões de usuários por mês, um leitor postou uma mensagem em que afirmava que seu bebê "odeia dormir de costas". A mensagem atraiu respostas de mais de 400 pais, que, na maioria, admitiam que seus bebês dormem de bruços. Linda Murray, editora-executiva do site, mostrou uma pesquisa feita com mais de 24 mil usuários que constatou que a proporção de pais que permitiam que seus bebês dormissem de bruços (42%) era a mesma que a de pais que os faziam dormir de costas (43%), ainda que metade deles se dissessem "preocupados" com a Sids. Como explicação, Murray sugere que a campanha do governo terminou vítima de seu sucesso: o índice de Sids caiu tanto nos últimos dez anos que hoje os pais têm menor chance de conhecer alguém que tenha perdido um filho dessa forma. Não só muitos bebês dormem melhor de bruços mas a probabilidade de que desenvolvam plagiocefalia, deformação do crânio que faz com que muitas crianças tenham cabeça chata, é menor nessa posição. Jeffrey H. Wisoff, professor associado de neurocirurgia e pediatria no Centro Médico da Universidade de Nova York, disse que, desde a campanha, a plagiocefalia (deformação do crânio que deixa a cabeça chata) se tornou "epidêmica". De acordo com o médico, a academia pediátrica deveria instruir os pais a ocasionalmente modificar a posição dos bebês nos berços e a deixá-los de bruços quando acordados.
Tradução de Paulo Migliacci


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