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São Paulo, quinta-feira, 28 de agosto de 2003
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A venda de câmeras de vigilância aumentou 80% nos últimos dois anos; há aparelhos espalhados por lugares inesperados

"Sorria, você está sendo vigiado"

Marcelo Barabani/Folha Imagem
Tela do computador de Pieratti mostra sua filha no momento em que está no berçário
 
Flávio Florido/Folha Imagem
Câmeras no estádio do Pacaembu


ANA PAULA DE OLIVEIRA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Se achava que ela estava torta no carrinho, por exemplo, ligava no mesmo minuto para mandar a professora mudá-la de posição. Mas isso foi só no início, depois a gente se acostuma"


Gustavo Mainere Pieratti, economista e pai


Onde você está neste momento? No seu sofá ou em um lugar público? Se estiver fora de casa, pare de ler este texto por alguns instantes e dê uma olhadela ao seu redor, especialmente nos cantos das paredes. A possibilidade de você estar sendo vigiado é muito grande.
As câmeras de segurança, até pouco tempo restritas às portarias de edifícios e residências, se espalham pela cidade, avançando para o interior dos locais mais insuspeitos e com as finalidades mais esquisitas.
Nesta que já é chamada de sociedade da vigilância, as câmeras são instaladas em lugares como berçários, para os pais monitorarem os filhos via internet, em bares, não só para segurança, mas para testar um novo prato, em shoppings, em academias e em onde mais a imaginação e a tecnologia permitirem. Em São Paulo, a reportagem contabilizou dez berçários que oferecem aos pais o serviço de controle à longa distância. Um deles é o Berçário Escola Infantil On-line, que já foi batizado com o nome a que se destina, localizado no bairro do Pacaembu. Os pais recebem uma senha para "entrar" no berçário na hora em que quiserem para vigiar o filho -e, por tabela, as demais crianças-, graças às oito câmeras espalhadas no local. "A preocupação maior dos pais é ter certeza de que seu filho não está sendo maltratado", explica a diretora, Maria Eugênia Tous Artacho. Não bastasse trabalhar no Berçário On-line durante três dias por semana, a professora Alessandra Ciulli Rodrigues do Nascimento, 27, não resiste, nos demais dias, a espiar, pelo computador, seus dois filhos. "Não me considero paranóica. Pelo menos, não atualmente. Hoje, quando consigo ter acesso a eles pela internet, ótimo. Caso contrário, não entro em pânico." Segundo ela, a necessidade de olhar pelo buraco da fechadura on-line não passa de curiosidade -e não desconfiança ou controle obsessivo . Porém isso é definido pelo psicólogo José Roberto Leite, coordenador da unidade de medicina comportamental da Unifesp, como falta de senso crítico. "Isso não é normal, pois, no fundo, o que esse comportamento quer dizer é que o pai precisa vigiar seu filho para controlá-lo de acordo com seus valores", explica. A falta de tempo para dedicar-se aos filhos pode também explicar a prática. "Os pais tentam compensar sua ausência acompanhando seu desenvolvimento à distância", diz o psiquiatra Joel Giglio, da Unicamp. Aliás, essa foi a principal razão para o economista Gustavo Mainere Pieratti, 33, matricular sua filha aos três meses de idade na escola Magister, outra instituição on-line, que fica no Jardim Marajoara. "Toda a minha família mora no Rio de Janeiro, e todos têm a senha para observar minha filha na escola. Isso supre a nossa carência", diz, revelando que já aporrinhou muito a escola com reclamações que, admite ele hoje, não tinham sentido. "Se achava que ela estava torta no carrinho, por exemplo, ligava no mesmo minuto para mandar a professora mudá-la de posição. Mas isso foi só no início, depois a gente se acostuma."

De olhos bem abertos
A dimensão do crescimento da sociedade da vigilância pode ser traduzida em números. No Brasil, em dois anos, a venda de sistemas de monitoramento, como preferem chamar os comerciantes desse setor, aumentou 80%. No exterior, há cidades inteiras monitoradas. Cingapura é um exemplo: a cada 100 m há uma câmera para fiscalizar, por exemplo, se os cidadãos jogam lixo na rua. Mas a campeã mundial de concentração de aparelhos é a Inglaterra -são mais de 1 milhão deles. A prática da vigilância causa incômodo faz tempo. Em 1985, foi fundada, em Nova York, a ONG Surveillance Camera Players, com o intuito único de combater o uso de câmeras de segurança em locais públicos. Os protestos se baseiam na tese de que a vigilância viola o direito de privacidade do cidadão. Realmente, locais onde a privacidade deveria ser levada ao pé da letra não estão imunes, como motéis e até provadores de biquíni. No Brasil, uma boate e choperia, com sede em três capitais, usa as câmeras não apenas como segurança, mas para testar novos pratos, observando a expressão dos clientes enquanto comem. O dono de uma padaria em Santo André, na Grande São Paulo, pode servir de exemplo do que George Orwell (1903-1950) previu em 1949 no seu livro clássico, "1984", em que a sociedade vive sob controle obsessivo de câmeras. No estabelecimento de Elias Borges, uma TV voltada para os frequentadores e constantemente ligada não transmite futebol nem telejornal. Ela exibe a imagem dos próprios clientes. Sentados, enquanto comem, eles ficam se olhando no monitor e observando os funcionários, também sob a mira das lentes. "Uma maneira econômica de vigilância", diz Borges, já que não precisa contratar ninguém para ficar de olho no monitor. "Os consumidores fazem esse papel." Ele também diz que aumentou involuntariamente a produtividade dos funcionários. "Eles sabem que estão sendo vigiados, então trabalham mais." Não é bem assim. "O funcionário pode achar que chegou sua grande oportunidade de mostrar serviço e, consequentemente, aumentar sua produção ou, pelo contrário, pode ficar inibido a ponto de ter sua produtividade comprometida", diz Leite. O fato é que, com o tempo, o funcionário se acostuma e tudo volta ao normal, afirma o psicólogo.

É proibido filmar
Desde o começo do ano, é obrigatório, em São Paulo, o uso de aviso alertando para a presença de câmeras. A desobediência pode acarretar multa de R$ 100, acumulativa pelo não-cumprimento.
E quem não dispõe dos cerca de R$ 1.000 exigidos na aquisição de um pequeno projeto de vigilância apela para as falsas câmeras, com falsos fios, bastante comuns para inibir crimes. Se funcionam? Uma dentista, que não quis se identificar, responde: "Em três anos, com o falso sistema, nunca fui assaltada".


80 % foi o crescimento em dois anos da venda de câmeras de vigilância

6.000 câmeras estão espalhadas por Manhattan, em Nova York

1 milhão de aparelhos compõem o sistema de vigilância da Inglaterra, país campeão em número de câmeras



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