|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
s.o.s família
Filhos também necessitam não fazer nada
ROSELY SAYÃO
Tem pai que passa o ano todo lamentando
ou reclamando que trabalha muito, fica
exausto e, por isso, não tem tempo para ficar
um pouco mais com os filhos, dedicar-se a
eles, acompanhar a difícil tarefa da educação
do dia-a-dia. Sei. Então por que, quando as férias chegam, tantos ficam desesperados procurando algum programa, fora e longe de casa, para os filhos?
São acampamentos, colônia de férias, casa
dos amigos na praia ou no campo, cursos de
esportes etc. e tal. E, quando não surge a oportunidade de um programa em outra cidade, aí
os pais ficam procurando coisas para os filhos
fazerem na própria cidade ou em casa. E, claro, sempre há ofertas para isso. E dá-lhes atividade! Até que chega uma hora em que os pais
não sabem mais o que inventar. Aí chegam os
filhos e perguntam: "E, agora, o que é que eu
faço?".
Pois é, parece que os filhos acreditam que
precisam sempre fazer alguma coisa. Não precisam. Quando pequenas, as crianças precisam é de um tempo sem fazer nada, sem tarefa
alguma para que pensem, imaginem, fantasiem. Ou, pelo menos, para usarem esse tempo para criar uma brincadeira, para inventarem qualquer coisa que lhes agrade, para experimentarem. Ou para não fazerem nada
mesmo, ficarem quietas no seu canto.
Não, não é preciso ficar preocupado quando
o filho fica parado nas férias. Afinal, ele tem esse direito, faz parte do crescimento. Assim como faz parte também do crescimento aprender a se virar sozinho, a brincar sem que os
pais digam como.
Quando adolescente, o filho também precisa, e como, de um tempo sem fazer nada. Para
ruminar o que se passa com ele, para procurar
se entender um pouco mais, para deixar o
pensamento rolar sem compromisso, para sonhar, dormindo ou acordado, projetar-se no
futuro, avaliar a tensão entre como é e como
desejaria ser, por exemplo. Não, isso não é perigoso! Isso é preciso para o amadurecimento,
faz parte do desenvolvimento.
Mas parece, também, que muitos pais não
sabem o que fazer quando têm mais tempo
para conviver de perto com os filhos. Em tempos de correria, conversar virou o maior mistério, pois falta assunto. Falta assunto? E tudo
aquilo que os filhos assistem na TV e que os
pais não gostam ou não concordam, por
exemplo? E o que lêem nos jornais ou nas revistas? Pois aí os pais já têm um bom começo
de assunto.
Que tal, em vez de apenas criticar os programas de que seus filhos tanto gostam, assistir
um pouco com eles e opinar, pedir opinião,
comentar, avaliar, interpretar segundo sua
ótica, seus valores, suas crenças, trocar idéias
sobre eles sem medo de se desentender, sem
receio das divergências?
Claro que, para isso, é preciso paciência, tolerância e persistência, coisas que nem sempre
os filhos têm, mas que os pais sempre devem
procurar ter. Claro, também, que isso não
acontece de uma hora para a outra. Afinal,
conquistar espaço para conversar e trocar
idéias com os filhos é mais ou menos como o
início de uma boa amizade, como bem diz
uma amiga: no início o papo é até um pouco
constrangedor e parece artificial. Mas, pouco a
pouco, e à medida que as pessoas se conhecem, pontos de interesse e/ou divergência são
identificados, e as idéias passam a brotar com
a maior naturalidade.
Pois é, as férias dos filhos nem sempre coincidem com as dos pais, e isso pode se tornar
um problema. Mesmo assim pode ser um
bom momento para a família, desde que os
pais queiram desfrutar da convivência com os
filhos, permitam que eles administrem o seu
tempo livre, que eles se apropriem dele e até
reclamem por não ter o que fazer. Mas é justamente quando eles se defrontam com esse limite que, se encorajados pelos pais, podem
superar os mesmos e descobrir o quanto podem fazer e se querem fazer ou não.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br
Texto Anterior: Boquiaberto: Ceia usa crenças e tradições antigas Próximo Texto: Outras idéias - Mario Sergio Cortella: Memórias de Marguerite Índice
|