São Paulo, quinta-feira, 28 de dezembro de 2000
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s.o.s família

Filhos também necessitam não fazer nada

ROSELY SAYÃO

Tem pai que passa o ano todo lamentando ou reclamando que trabalha muito, fica exausto e, por isso, não tem tempo para ficar um pouco mais com os filhos, dedicar-se a eles, acompanhar a difícil tarefa da educação do dia-a-dia. Sei. Então por que, quando as férias chegam, tantos ficam desesperados procurando algum programa, fora e longe de casa, para os filhos?
São acampamentos, colônia de férias, casa dos amigos na praia ou no campo, cursos de esportes etc. e tal. E, quando não surge a oportunidade de um programa em outra cidade, aí os pais ficam procurando coisas para os filhos fazerem na própria cidade ou em casa. E, claro, sempre há ofertas para isso. E dá-lhes atividade! Até que chega uma hora em que os pais não sabem mais o que inventar. Aí chegam os filhos e perguntam: "E, agora, o que é que eu faço?".
Pois é, parece que os filhos acreditam que precisam sempre fazer alguma coisa. Não precisam. Quando pequenas, as crianças precisam é de um tempo sem fazer nada, sem tarefa alguma para que pensem, imaginem, fantasiem. Ou, pelo menos, para usarem esse tempo para criar uma brincadeira, para inventarem qualquer coisa que lhes agrade, para experimentarem. Ou para não fazerem nada mesmo, ficarem quietas no seu canto.
Não, não é preciso ficar preocupado quando o filho fica parado nas férias. Afinal, ele tem esse direito, faz parte do crescimento. Assim como faz parte também do crescimento aprender a se virar sozinho, a brincar sem que os pais digam como.
Quando adolescente, o filho também precisa, e como, de um tempo sem fazer nada. Para ruminar o que se passa com ele, para procurar se entender um pouco mais, para deixar o pensamento rolar sem compromisso, para sonhar, dormindo ou acordado, projetar-se no futuro, avaliar a tensão entre como é e como desejaria ser, por exemplo. Não, isso não é perigoso! Isso é preciso para o amadurecimento, faz parte do desenvolvimento.
Mas parece, também, que muitos pais não sabem o que fazer quando têm mais tempo para conviver de perto com os filhos. Em tempos de correria, conversar virou o maior mistério, pois falta assunto. Falta assunto? E tudo aquilo que os filhos assistem na TV e que os pais não gostam ou não concordam, por exemplo? E o que lêem nos jornais ou nas revistas? Pois aí os pais já têm um bom começo de assunto.
Que tal, em vez de apenas criticar os programas de que seus filhos tanto gostam, assistir um pouco com eles e opinar, pedir opinião, comentar, avaliar, interpretar segundo sua ótica, seus valores, suas crenças, trocar idéias sobre eles sem medo de se desentender, sem receio das divergências?
Claro que, para isso, é preciso paciência, tolerância e persistência, coisas que nem sempre os filhos têm, mas que os pais sempre devem procurar ter. Claro, também, que isso não acontece de uma hora para a outra. Afinal, conquistar espaço para conversar e trocar idéias com os filhos é mais ou menos como o início de uma boa amizade, como bem diz uma amiga: no início o papo é até um pouco constrangedor e parece artificial. Mas, pouco a pouco, e à medida que as pessoas se conhecem, pontos de interesse e/ou divergência são identificados, e as idéias passam a brotar com a maior naturalidade.
Pois é, as férias dos filhos nem sempre coincidem com as dos pais, e isso pode se tornar um problema. Mesmo assim pode ser um bom momento para a família, desde que os pais queiram desfrutar da convivência com os filhos, permitam que eles administrem o seu tempo livre, que eles se apropriem dele e até reclamem por não ter o que fazer. Mas é justamente quando eles se defrontam com esse limite que, se encorajados pelos pais, podem superar os mesmos e descobrir o quanto podem fazer e se querem fazer ou não.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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