São Paulo, quinta-feira, 29 de junho de 2000
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foco nele

Ecologia social revoluciona favela

DANIELA FALCÃO
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO

O morro do Preventório, em Niterói (RJ), é uma favela diferente. Nem tanto porque os 8.500 moradores têm uma das vistas mais privilegiadas da baía de Guanabara. O que chama realmente atenção no Preventório é o esforço que vem sendo feito por moradores incentivados pela prefeitura e por ONGs para preservar o meio ambiente.
De gincanas para coletar lixo reciclável a mutirões para construir banheiros nas casas sem saneamento, os moradores da favela niteroiense têm dado um exemplo de como colocar em prática os preceitos do desenvolvimento sustentável tão falado, mas pouco executado desde que foi introduzido no vocabulário cotidiano pela Eco 92.
Por trás da façanha, está Roberto Rocco, um administrador de empresas de 35 anos que, desde 87, é militante ambientalista. Ser ortodoxo nunca foi mesmo a praia desse carioca, que, no fim da década de 80, fundou um movimento de ecologia social -conhecido como Os Verdes. Logo entrou em choque com grupos ecológicos tradicionais da época por defender que os cuidados com o meio ambiente deveriam ir além do trabalho para preservar fauna e flora.
A revolução ambiental no Preventório começou a tomar forma em 97, quando a equipe de Rocco recebeu US$ 100 mil do Iclei (Conselho Internacional para Iniciativas Ambientais Locais) para colocar em prática o projeto, que já contava com apoio da Prefeitura de Niterói e do Sebrae. Hoje, tem dezenas de parceiros, do Comunidade Solidária à Souza Cruz.
Leia entrevista abaixo.

Folha - Dar cursos de capacitação profissional a moradores de favela e montar rádio comunitária não são ações estranhas a um projeto ambiental?
Roberto Rocco- De jeito nenhum. O problema é que a maioria das pessoas confunde ecologia com preservacionismo e acha que cuidar do meio ambiente é proteger bichinho e plantinha. Não tem nada de estranho um projeto ambiental desenvolver cursos de culinária e artesanato para dar alternativas de sustento à população. Isso faz parte do conceito de desenvolvimento sustentável.

Folha - Mas não é utópico falar de preservação ambiental numa favela onde faltavam banheiros em 118 casas?
Rocco
- Fomos questionados sobre isso desde que expus a líderes comunitários minha vontade de trabalhar os conceitos da Agenda 21 no Preventório. Logo na primeira reunião, um senhor da comunidade virou pra mim e disse: "Meu filho, eu não recomendo que você faça isso porque tem muita gente aqui que não tem nem vaso sanitário". Nessa hora, percebi que precisaríamos ampliar o trabalho ambiental, dando mais ênfase à qualidade de vida dos moradores. Se chegássemos lá falando só em reflorestamento, ninguém teria dado ouvidos.

Folha - E como vocês conseguiram driblar a resistência?
Rocco
- Foi um trabalho lento. Fiquei amigo do presidente da associação de moradores e comecei a circular pelo morro para fazer um diagnóstico dos problemas ambientais e sociais. Do ponto de vista ecológico, os mais graves eram o desmatamento das encostas e a contaminação das três nascentes existentes. Para a população, os piores problemas eram a falta de água, de saneamento, a inexistência de coleta regular do lixo e, é claro, o desemprego. A única caixa-d'água do morro, com 15 anos de construção, tinha capacidade para atender 1.200 pessoas. Só que o Preventório tem 8.500 moradores. Eles tinham de apelar para as três fontes de água, todas contaminadas com coliformes fecais.

Folha - Vocês tiveram adesão de toda a comunidade?
Rocco
- Antes de conseguirmos a verba do Iclei, até o presidente da associação de moradores nos olhava com desconfiança. Ele não me conhecia, e não tínhamos dinheiro -só uma promessa de que a prefeitura entraria com 30% de contrapartida em cima da verba que conseguíssemos levantar. Devagarinho, mudamos isso, graças ao apoio dos grupos que já atuavam lá dentro, da prefeitura e da iniciativa privada.

Folha - Foi o dinheiro levantado que atraiu a comunidade?
Rocco
- Em parte, sim. Com a verba obtida, treinamos 15 "reflorestadores" e contratamos 4, cada um com salário de R$ 330 por mês. Também empregamos seis adolescentes para atuar como educadores ambientais, que recebem R$ 165. O pedreiro que orienta a construção dos banheiros também é do Preventório. Mas não é só por isso que o projeto deu certo. Os 65 banheiros foram construídos em mutirões aos sábados. Nós só dávamos o lanche. É impressionante como a auto-estima deles aumentou. Gente de classe média não se dá conta do que é não ter banheiro em casa.

Folha - Os monitores ambientais conseguem mudar a atitude dos moradores?
Rocco
- No início foi difícil. Muito marmanjo olhava feio quando os meninos tentavam orientar. Afinal, por que dar ouvidos a conselhos de moleques? Aí tivemos a idéia de montar uma rádio e uma TV comunitárias que pudessem complementar o trabalho dos monitores.

Folha - E deu resultado?
Rocco
- Claro! Outra iniciativa que surpreendeu foi a gincana de coleta de lixo. Dividimos os moradores em equipes para ver quem conseguia juntar mais lixo reciclável. Em três semanas, coletamos 21 mil garrafas plásticas, 13 mil de vidro e 8 mil latas. Deu tão certo que vários moradores continuaram a coleta seletiva ao descobrir que poderiam lucrar.

Folha - Nunca pensou em trocar o trabalho comunitário por cargo no governo?
Rocco
- Não tenho a menor vontade. Prefiro continuar colocando a mão na massa com a sociedade civil, pois a capacidade de execução é maior. Se estivesse na prefeitura, ficaria angustiado por causa das amarras burocráticas.



QUEM É ELE
Nome: Roberto Rocco
Idade: 35 anos
Profissão: administrador de empresas; ambientalista por vocação
O que faz: coordena projeto ambiental no morro do Preventório (favela de Niterói) e atua como consultor ambiental da Fundação Onda Azul e do Iclei
Filosofia de vida: tão importante quanto preservar a fauna e a flora é dar condições ao homem de poder viver com qualidade nesse ambiente saudável




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