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foco nele
Ecologia social revoluciona favela
DANIELA FALCÃO
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
O morro do Preventório, em Niterói
(RJ), é uma favela diferente. Nem tanto
porque os 8.500 moradores têm uma das
vistas mais privilegiadas da baía de Guanabara. O que chama realmente atenção
no Preventório é o esforço que vem sendo feito por moradores incentivados pela
prefeitura e por ONGs para preservar o
meio ambiente.
De gincanas para coletar lixo reciclável
a mutirões para construir banheiros nas
casas sem saneamento, os moradores da
favela niteroiense têm dado um exemplo
de como colocar em prática os preceitos
do desenvolvimento sustentável tão falado, mas pouco executado desde que foi
introduzido no vocabulário cotidiano
pela Eco 92.
Por trás da façanha, está Roberto Rocco, um administrador de empresas de 35
anos que, desde 87, é militante ambientalista. Ser ortodoxo nunca foi mesmo a
praia desse carioca, que, no fim da década de 80, fundou um movimento de ecologia social -conhecido como Os Verdes. Logo entrou em choque com grupos
ecológicos tradicionais da época por defender que os cuidados com o meio ambiente deveriam ir além do trabalho para
preservar fauna e flora.
A revolução ambiental no Preventório
começou a tomar forma em 97, quando a
equipe de Rocco recebeu US$ 100 mil do
Iclei (Conselho Internacional para Iniciativas Ambientais Locais) para colocar em
prática o projeto, que já contava com
apoio da Prefeitura de Niterói e do Sebrae. Hoje, tem dezenas de parceiros, do
Comunidade Solidária à Souza Cruz.
Leia entrevista abaixo.
Folha - Dar cursos de capacitação profissional a moradores de favela e montar rádio comunitária não são ações estranhas a
um projeto ambiental?
Roberto Rocco- De jeito nenhum. O problema é que a maioria das pessoas confunde ecologia com preservacionismo e
acha que cuidar do meio ambiente é proteger bichinho e plantinha. Não tem nada
de estranho um projeto ambiental desenvolver cursos de culinária e artesanato
para dar alternativas de sustento à população. Isso faz parte do conceito de desenvolvimento sustentável.
Folha - Mas não é utópico falar de preservação ambiental numa favela onde faltavam banheiros em 118 casas?
Rocco - Fomos questionados sobre isso
desde que expus a líderes comunitários
minha vontade de trabalhar os conceitos
da Agenda 21 no Preventório. Logo na
primeira reunião, um senhor da comunidade virou pra mim e disse: "Meu filho,
eu não recomendo que você faça isso
porque tem muita gente aqui que não
tem nem vaso sanitário". Nessa hora,
percebi que precisaríamos ampliar o trabalho ambiental, dando mais ênfase à
qualidade de vida dos moradores. Se chegássemos lá falando só em reflorestamento, ninguém teria dado ouvidos.
Folha - E como vocês conseguiram driblar
a resistência?
Rocco - Foi um trabalho lento. Fiquei
amigo do presidente da associação de
moradores e comecei a circular pelo
morro para fazer um diagnóstico dos
problemas ambientais e sociais. Do ponto de vista ecológico, os mais graves eram
o desmatamento das encostas e a contaminação das três nascentes existentes.
Para a população, os piores problemas
eram a falta de água, de saneamento, a
inexistência de coleta regular do lixo e, é
claro, o desemprego. A única caixa-d'água do morro, com 15 anos de construção, tinha capacidade para atender 1.200
pessoas. Só que o Preventório tem 8.500
moradores. Eles tinham de apelar para as
três fontes de água, todas contaminadas
com coliformes fecais.
Folha - Vocês tiveram adesão de toda a
comunidade?
Rocco- Antes de conseguirmos a verba
do Iclei, até o presidente da associação de
moradores nos olhava com desconfiança. Ele não me conhecia, e não tínhamos
dinheiro -só uma promessa de que a
prefeitura entraria com 30% de contrapartida em cima da verba que conseguíssemos levantar. Devagarinho, mudamos
isso, graças ao apoio dos grupos que já
atuavam lá dentro, da prefeitura e da iniciativa privada.
Folha - Foi o dinheiro levantado que
atraiu a comunidade?
Rocco- Em parte, sim. Com a verba obtida, treinamos 15 "reflorestadores" e
contratamos 4, cada um com salário de
R$ 330 por mês. Também empregamos
seis adolescentes para atuar como educadores ambientais, que recebem R$ 165. O
pedreiro que orienta a construção dos
banheiros também é do Preventório.
Mas não é só por isso que o projeto deu
certo. Os 65 banheiros foram construídos em mutirões aos sábados. Nós só dávamos o lanche. É impressionante como
a auto-estima deles aumentou. Gente de
classe média não se dá conta do que é não
ter banheiro em casa.
Folha - Os monitores ambientais conseguem mudar a atitude dos moradores?
Rocco- No início foi difícil. Muito marmanjo olhava feio quando os meninos
tentavam orientar. Afinal, por que dar
ouvidos a conselhos de moleques? Aí tivemos a idéia de montar uma rádio e
uma TV comunitárias que pudessem
complementar o trabalho dos monitores.
Folha - E deu resultado?
Rocco- Claro! Outra iniciativa que surpreendeu foi a gincana de coleta de lixo.
Dividimos os moradores em equipes para ver quem conseguia juntar mais lixo
reciclável. Em três semanas, coletamos 21
mil garrafas plásticas, 13 mil de vidro e 8
mil latas. Deu tão certo que vários moradores continuaram a coleta seletiva ao
descobrir que poderiam lucrar.
Folha - Nunca pensou em trocar o trabalho comunitário por cargo no governo?
Rocco- Não tenho a menor vontade.
Prefiro continuar colocando a mão na
massa com a sociedade civil, pois a capacidade de execução é maior. Se estivesse
na prefeitura, ficaria angustiado por causa das amarras burocráticas.
QUEM É ELE
Nome: Roberto Rocco
Idade: 35 anos
Profissão: administrador de empresas; ambientalista por vocação
O que faz: coordena projeto ambiental no morro do Preventório
(favela de Niterói) e atua como
consultor ambiental da Fundação
Onda Azul e do Iclei
Filosofia de vida: tão importante
quanto preservar a fauna e a flora é
dar condições ao homem de poder
viver com qualidade nesse ambiente saudável
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