São Paulo, quinta-feira, 29 de junho de 2006
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Outras idéias

Wilson Jacob Filho

Medo de alemão

"Estou com medo do alemão!" A frase veio de um paciente imediatamente após as apresentações iniciais. Surpreso, imaginei tratar-se do início de um diálogo futebolístico. O que se seguiu, porém, foi uma longa descrição sobre o seu descontentamento com a própria memória.
Rapidamente entendi que o alemão era Alois Alzheimer, e que seus temores se referiam a ser portador da doença por ele descrita em 1906.
Duvido que o jovem médico, nascido em 1864 na cidade de Markbreit, pensou em ter tal notoriedade na linguagem popular quando, em 1901, começou a cuidar de uma senhora que desenvolveu precocemente sintomas e sinais comportamentais de demência. Na sua comunicação do caso, descreveu não apenas o quadro clínico mas também os achados neuropatológicos que caracterizam a doença até hoje. Apenas em 1910, porém, essa enfermidade passou a ser denominada doença de Alzheimer.
Ao nos referirmos a ela, é importante distinguir suas manifestações iniciais daquelas que freqüentemente causam a maioria das preocupações.
Os reais distúrbios de memória que prenunciam uma disfunção cerebral grave são mais bem percebidos por familiares do que pelo próprio paciente. A maioria dos que reclamam da própria memória acaba demonstrando normalidade nos testes específicos, mas revela sobrecarga das suas atividades intelectuais e/ou níveis de estresse exagerados.
Isso enfatiza que qualquer função orgânica, quando usada corretamente, tende a se manter adequada durante a vida toda. Por outro lado, o uso excessivo ou o desuso de um determinado sistema leva a freqüentes disfunções que são interpretadas como indícios de enfermidade.
Evidentemente, as situações limítrofes devem ser interpretadas tecnicamente, mas a avaliação inicial sobre a potencial gravidade desses sintomas deve ser feita cuidadosamente pelos próprios envolvidos. Se, por um lado, as pequenas incapacidades para realizar tarefas do cotidiano devem ser valorizadas e esclarecidas, por outro, há que se contextualizar em que condições funcionais os pequenos lapsos de memória ocorrem e quais são as suas reais conseqüências.
Os profissionais que cuidam da saúde, especificamente das funções cognitivas, poderão prestar grande auxílio nessa identificação, mas é fundamental que saibamos interpretar as nossas peculiaridades comportamentais para melhor entendermos quais os fatores protetores ou agressivos que as estão determinando.


WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)
wiljac@usp.br


[...] Os distúrbios de memória que prenunciam uma disfunção cerebral grave são mais notados por familiares do que pelo paciente


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