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saúde
Além do 12 por 8
Médicos passam a considerar outros fatores, como histórico familiar,
além da pressão arterial para diagnosticar e tratar a hipertensão
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
Os índices são médicos, mas boa parte
das pessoas leigas estão familiarizadas
com eles: se o aparelho de medir pressão acusar a famosa dupla 12 por 8, não há motivo para
preocupação. Mesmo um 13
por 9 não costuma causar alarde. Mas, quando passa disso, a
luz vermelha se acende e é sinal
de tratamento à vista, certo?
Nem sempre. Números como
esses não são mais absolutos na
hora de definir quem deve e
quem não deve receber tratamento para hipertensão.
Cada vez mais, a tendência é
considerar diversos fatores de
risco, e não só a pressão arterial, na hora de definir o diagnóstico de hipertensão, a meta
a ser atingida e o tratamento
que o paciente vai receber. Assim, se uma pessoa tiver pressão 12 por 8, mas for diabética,
já deve ficar de olho e, em alguns casos, até abaixar o índice.
Por outro lado, quem possui
pressão um pouco alta (14 por
9, por exemplo), mas não tem
outros fatores de risco, nem
sempre precisará tomar remédios ou diminuir drasticamente os índices: uma mudança no
estilo de vida pode resolver.
A abordagem, chamada estratificação de risco, é um dos
destaques da 5ª Diretriz Brasileira de Hipertensão, que será
divulgada em agosto no 14º
Congresso da Sociedade Brasileira de Hipertensão. Finalizado em fevereiro, o documento
atualiza as diretrizes de 2002,
que já tratavam do tema, mas
de forma menos aprofundada.
"A grande novidade é que toda decisão terapêutica deve se
basear nessa estratificação, que
é a avaliação do risco cardiovascular do paciente. Para isso, levamos em conta não só a pressão arterial mas também outros fatores de risco, lesões em
órgãos como o coração e os rins
e doenças cardiovasculares
prévias. O nível da pressão pode ser prejudicial ou não, dependendo de uma constelação de fatores", diz Osvaldo
Kohlmann Jr., nefrologista da
Unifesp (Universidade Federal
de São Paulo) que participou da
elaboração da nova diretriz.
O assunto também foi um
dos destaques do congresso
anual da ASH (Sociedade Americana de Hipertensão), que
ocorreu no mês passado, em
Nova York. O presidente da entidade, Thomas Giles, afirmou,
em um artigo em que propõe
uma nova definição de hipertensão, que "qualquer tratamento de hipertensão baseado
apenas nas medidas da pressão
arterial -sem considerar outros sinais de risco cardiovascular- não é recomendado".
Polêmica
Giles defende também uma
questão polêmica: que sejam
receitados remédios para quem
está no limite entre a pressão normal e a levemente
alta -a chamada pré-hipertensão, definida por
valores entre 12 por 8 e
13,9 por 8,9. A recomendação é considerada um
exagero por muitos médicos. Ex-diretores da ASH
chegam a acusar Giles de agir
baseado nos interesses da indústria farmacêutica.
No centro da discussão, está
o Trophy (Trial of Preventing
Hypertension), estudo apresentado em março que avaliou,
pela primeira vez, a eficácia do
tratamento medicamentoso
para prevenir a hipertensão em
pré-hipertensos. Os resultados
mostraram uma redução de
15,6% no risco relativo no grupo que tomou o remédio -no
caso, a substância candesartan
cilexetil- em comparação com
o grupo de controle.
"Trata-se apenas de um estudo, é preciso avaliar mais. Esse
conceito dos americanos de
tratar toda pessoa com pressão
acima de 12 por 8 é muito drástico e não vingou na Europa
nem no Brasil", afirma o fisiologista Robson Santos, presidente da Sociedade Brasileira
de Hipertensão. Segundo ele,
atualmente esses pacientes são
apenas orientados a levar uma
vida mais saudável.
O nefrologista Décio Mion,
chefe da unidade de hipertensão do Hospital das Clínicas da
USP (Universidade de São Paulo), também afirma ser contra
medicamentar a população. "O
estudo é um primeiro indício
de que talvez valha a pena dar
medicamento no início, mas isso ainda é muito discutível.
Precisamos de mais evidências
para mudar nossa conduta,
pois muitas pessoas seriam afetadas com isso", diz.
Para Kohlmann Jr., o estudo
tem limitações, "mas mostra
que é preciso atuar no indivíduo pré-hipertenso, com ou
sem remédios, principalmente
se ele tiver fatores de risco".
Mesmo tendo pressão "no limite do normal" (entre 13 por 9
e 14 por 9), a jornalista Lívia
Queiroz, 23, toma remédios há
cinco anos para controlá-la. Isso porque sua família é cheia de
hipertensos -pai, mãe, avós e
irmãos-, e os antecedentes familiares são um fator de risco
para eventos cardiovasculares.
O bancário José Luiz Jr., 27,
passa pelo mesmo problema.
Sua mãe, que é hipertensa e
diabética, sofreu um princípio
de infarto aos 36 anos. Seu pai
também tem hipertensão. Por
isso, mesmo tendo pressão
normal, ele controla o consumo de sal, exercita-se com freqüência e faz check-up anual.
Mas nem todo mundo chega
a tomar essas precauções. O
cardiologista Flávio Cure, do
Hospital Samaritano do Rio de
Janeiro, lembra que, por se tratar de uma doença "silenciosa",
que raramente apresenta sintomas, muitas pessoas não sabem que sofrem do mal -estima-se que isso ocorra com 35%
dos afetados. "Há ainda um
problema de adesão ao tratamento. Muitos pacientes param de tomar os remédios
acreditando já estarem curados e voltam a praticar velhos
hábitos prejudiciais à saúde."
Apesar de nem sempre dar
conta de tratar sozinho a hipertensão, manter um estilo de vida saudável é recomendável
tanto para hipertensos graves quanto para quem tem pressão
normal ou "limítrofe".
O cardiologista Heno Ferreira Lopes, da unidade de hipertensão do Incor (Instituto do
Coração do Hospital das Clínicas da USP), acaba de lançar o
livro "A Dieta do Coração" (ed.
Abril), no qual explica, em linguagem simples, como funciona uma dieta chamada Dash
(Dietary Approaches to Stop
Hypertension), criada por pesquisadores dos EUA, em 1997,
para combater a hipertensão.
Um estudo feito durante oito
semanas mostrou que a dieta
provocou redução média da
pressão máxima de 14 para 12,9
e da mínima de 9 para 8,5. Também foi comprovado que ela diminui o colesterol "ruim" e os
triglicérides. Isso sem fazer
ninguém passar fome, já que é
uma dieta de 2.000 calorias.
O mais curioso é que, quando
foi criada, a Dash não previa a
redução de sal, um vilão muito
associado à hipertensão. Apenas a prevalência de frutas, vegetais, grãos integrais e laticínios desnatados e a redução de
gordura e de açúcar foram suficientes para os bons resultados.
"O sal, até então, era o único elo
conhecido entre hipertensão e
alimentação", observou Lopes
no livro. Pesquisas posteriores
mostraram que a versão da
Dash com redução de sal é ainda mais eficaz.
A designer Roberta de Felippe, 25, já tomou remédios para
reduzir a pressão, mas hoje
consegue controlá-la apenas
com uma alimentação equilibrada, caminhadas e exercícios
na bicicleta ergométrica -as
atividades aeróbicas são as
mais indicadas. Ela tem pressão 12 por 8, mas, como é diabética, precisa ficar de olho. "Fico
controlando sempre", conta.
Nova classe
Outra novidade apresentada
no congresso da ASH foi um
medicamento que será provavelmente o primeiro de um novo grupo de anti-hipertensivos:
os "inibidores de renina". Há
mais de uma década, não surge
uma nova classe de remédios
para o problema. A substância,
chamada aliskiren, está no fim
dos testes clínicos (fase 3) e ainda precisa obter a aprovação
dos órgãos reguladores.
Desenvolvida pelo laboratório Novartis, ela atua inibindo a
renina, enzima responsável pela ativação de um sistema que
afeta a regulação da pressão arterial. Já há remédios que
atuam sobre esse sistema. A diferença é que o novo fármaco
bloqueia seu ponto de ativação:
a enzima que o desencadeia.
Ainda não é possível saber se
isso se traduzirá em vantagens
para os pacientes. "É válido por
ser uma nova arma terapêutica,
mas só saberemos seus reais
benefícios na fase 4 de pesquisas", diz Robson Santos.
Além da Novartis, outro laboratório farmacêutico, o Actelion, também desenvolve um
inibidor de renina -que está
atualmente na segunda fase de
testes clínicos.
A jornalista Flávia Mantovani viajou a Nova York
a convite da Novartis
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