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Diagnóstico médico à segunda vista
Telemedicina promete alternativa para deslocamentos desnecessários de pacientes e superlotação de hospitais
ADRIANA KÜCHLER
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Em razão de uma osteomielite crônica (um tipo grave de inflamação óssea), o estudante Souza de Souza, 22, teve de revirar sua vida. Depois de
peregrinar durante mais de dois anos por diferentes hospitais e de fazer várias
cirurgias sem sucesso, Souza, para se tratar, teve de se mudar para São Paulo,
em março do ano passado. Hoje, seu problema está sendo resolvido, mas ele
está há mais de um ano longe de casa -Souza mora em Guarapari (ES). "Se não tivesse parentes aqui,
tudo seria muito mais difícil", diz.
A jornalista Regina Atalla, 45, também teve de sair de sua cidade para procurar assistência médica -ela nasceu com uma deformação no pé que dificulta sua movimentação. Em Salvador, passou por seis cirurgias que não corrigiram o defeito.
Quando soube que o HC (Hospital das Clínicas), em São Paulo, realiza um exame que
ajuda a fazer sapatos sob medida para cada
problema, Regina, que calça 32, foi até o
hospital Sarah Kubitschek, na capital baiana. Os médicos de lá fizeram uma videoconferência com os do HC para ter certeza
de que ela poderia receber ajuda em São
Paulo. "Cheguei com consulta marcada e
com uma pré-avaliação já feita. O processo
foi rápido."
A diferença do atendimento médico realizado nas duas histórias ocorreu pelo uso
da telemedicina.
"A telemedicina nada mais é que o uso da
tecnologia aliada à medicina para evitar
deslocamentos desnecessários de pacientes, desafogar os grandes hospitais e até capacitar melhor os médicos", diz Chao Wen,
43, coordenador da disciplina sobre essa
técnica na Faculdade de Medicina da USP.
Os primeiros experimentos em telemedicina começaram no Brasil na década de 90
e, hoje, vários hospitais investem nela. No
ano passado, o HC lançou a Estação Digital
Médica, uma rede que conecta 15 pontos
do país, entre hospitais, universidades e
postos de saúde. Com a ajuda da videoconferência, médicos discutem casos complicados, e especialistas indicam os procedimentos. Por meio do "ciberambulatório",
são enviadas informações sobre casos de
pacientes -e recebidas "segundas opiniões" dos profissionais que são consultados a distância.
Para o HC, a telemedicina pode ajudar a
desafogar a superlotação. "Cerca de 60%
dos pacientes que procuram o hospital não
precisariam vir até aqui", diz Wen. "O uso
da tecnologia pode permitir uma triagem
mais eficiente. Médicos de outras cidades
também podem aprender na prática, se
atualizar e, assim, encaminhar para cá apenas os casos realmente difíceis ou que necessitem de cuidados especializados."
Além da segunda opinião em casos complicados, a videoconferência pode ser usada para transmitir procedimentos médicos
ao vivo. O Hospital 9 de Julho, em São Paulo, transmite para outros países, desde
agosto de 2003, cirurgias para emagrecimento, como a colocação de bandas gástricas e de balões gástricos e a de grampeamento do estômago. "Como já passamos
por todas as fases de testes e dúvidas, ajudamos os outros médicos a pular etapas do
processo", explica Manoel Galvão, 38,
coordenador de telemedicina do hospital.
As iniciativas que aliam a tecnologia à
saúde são diversificadas. No Rio de Janeiro,
o Hospital Universitário Pedro Ernesto, da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
recebeu equipamento doado pela ONG
norte-americana Medical Mission for Children, que liga 14 hospitais infantis de referência -a maior parte nos EUA- a centros médicos de países em desenvolvimento. No Instituto do Coração, também em
São Paulo, médicos acompanham os pacientes por meio de dados enviados para
seus computadores de mão. Em Brasília, o
Hospital das Forças Armadas começa a desenvolver um sistema de telemedicina para
alcançar os hospitais e postos de saúde localizados na Amazônia.
Mas o preço do desenvolvimento ainda
não está ao alcance de todos. Um aparelho
completo de videoconferência e transmissão de exames, como o que o Pedro Ernesto
ganhou, custa cerca de US$ 30 mil (cerca de
R$ 90 mil). Segundo o professor Chao
Wen, da Faculdade de Medicina da USP, a
solução é procurar alternativas mais simples. "Dá para fazer telemedicina com uma
máquina fotográfica digital, um computador e uma conexão de internet rápida."
Wen está negociando uma parceria com
a Microsoft para que grandes empresas
doem computadores usados para equipar
postos de saúde. O objetivo é usar recursos
tecnológicos para que médicos generalistas
possam atender pacientes com a ajuda de
especialistas, sem ter de encaminhá-los para os centros de referência. "A idéia é que
esse serviço chegue aonde o especialista
não chega, como presídios e asilos", diz um
dos coordenadores do "ciberambulatório"
do HC, Hélio Miot. "Como em outros países, vai surgir a figura do telemédico, que se
dedicará a fazer diagnósticos a distância."
Na área odontológica, a tecnologia de comunicação também começa a ser mais utilizada. Ontem, especialistas da área reuniram-se em Belo Horizonte (MG) durante o
1º Encontro Brasileiro de Teleodontologia
para analisar a possibilidade de criar núcleos de atendimento em hospitais, postos
de saúde e universidades.
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