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Códigos da moda ajudam a perceber melhor o outro
Usar peças que não refletem o que a pessoa pensa ou sente é capaz de provocar mal-estar e falha na comunicação
Associated Press
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Desfile de Alexandre McQueen |
ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL
O que você está querendo dizer com essa calça, com essa blusa ou com esse sapato que está usando? Seja o que estiver vestindo, você está comunicando algo e, se
não sabe o que é, vale a pena tentar identificar. Afinal as roupas e toda a
respectiva produção, além de cumprir seu papel primordial -cobrir a
nudez e proteger o corpo-, são códigos que, como as palavras, evidenciam sentimentos, sensações e atitudes.
"O vestuário fala. Fala o fato de eu me
apresentar no escritório de manhã com
uma gravata normal de riscas, fala o fato
de a substituir inesperadamente por uma
gravata psicodélica, fala o fato de ir à reunião do conselho de administração sem gravata", escreveu Umberto Eco em seu
ensaio "O Hábito Fala pelo Monge".
"Antes mesmo de a pessoa falar oi, sua
roupa está dizendo um monte de coisas a
seu respeito", diz Kathia Castilho, professora de moda da Universidade Anhembi
Morumbi e uma das organizadoras do
seminário "A Moda do Corpo, o Corpo
da Moda", que termina hoje no Rio de Janeiro e se transformará em livro, a ser
lançado ainda neste ano.
O conceito do vestuário como ferramenta de comunicação não é claro para
todo mundo. Nesse caso, os códigos podem ser mal utilizados e provocar efeitos
indesejados. "É como se a pessoa tivesse
nascido no Sul do país e falasse com sotaque do Nordeste", diz a professora de semiótica da PUC-SP Ana Cláudia de Oliveira.
E quando a moda gera um verdadeiro
bem-estar? Quando reflete o jeito de ser
da pessoa. "Quando a pessoa está integrada à roupa, quando ela se arruma da
maneira que acha legal, quando consegue identificar o que lhe cai bem", diz a
empresária de moda Costanza Pascolato.
A moda a serviço de quem?
"A moda tem de estar a serviço da personalidade da pessoa. Do contrário, se a pessoa entrar num processo de submissão, a
moda pode lhe fazer mal", diz Vera Lima,
curadora da coleção de indumentárias do
Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro (leia, na página 8, sobre a tiranização da moda).
Mas, em meio a tanta imposição da mídia, dá para encontrar espaço e eleger, do
vestuário, códigos que condizem com
você? Bastam alguns minutos em frente a
uma banca de jornal para qualquer um se
perder em meio à batelada de informações sobre tendências, estilos e vertentes
da moda. Nos outdoors, os modelos maravilhosos vestem as cores da estação.
Nas novelas, os atores desfilam a calça, a
bota e a jóia do momento.
"Não há dúvida de que a moda força
modelos e que sempre estamos submetidos à aprovação do outro. Mas, nessa
guerrilha diária, que é parecer externamente o que de fato se é internamente, é
preciso experimentar até encontrar o elemento que vai se integrar ao nosso modo
de ser", diz Rosane Preciosa, professora
de psicossociologia da pós-graduação em
moda da Faculdade Santa Marcelina.
E o resultado pode ser muito compensador. "Se a pessoa tem auto-estima e
confiança em si, pode reforçar os aspectos da sua personalidade que bem entender: sua sensualidade, sua seriedade, seu
jeito descontraído", diz Ilana Berenholc,
consultora de imagem do Senac. E mais:
com informação e autoconhecimento,
ela "seduz melhor, diverte-se mais e circula mais à vontade pelos vários ambientes", diz Lilian Pacce, editora de moda.
Os padrões estipulados pelo mercado
também têm a função de sinalizar as diferentes "tribos" no espaço e no tempo.
Assim a moda integra as pessoas. Aproxima aqueles que, por meio da aparência, indicam ter afinidades em comum. Todos querem sentir que pertencem a determinado grupo, mas o interessante é dar uma sacudidela nas formas prontas que ele utiliza, acrescentando elementos próprios, originais. "Quem consegue dar essa
sacudidela é porque, de algum modo, conseguiu manter-se fiel à sua personalidade, utilizando o vestuário como reforço", diz Rosane Preciosa.
Máscaras que revelam
"Conviver com a moda significa ter uma maletinha cheia de máscaras. Essas máscaras podem reforçar nossas características ou ocultá-las, se for o caso", diz o estilista Ronaldo Fraga. E essa maletinha de máscaras está em constante renovação. "A moda muda continuamente. Nesse processo, quem está
antenado consegue sempre ter à mão novos elementos.
Assim, a busca de bem-estar também é contínua", diz
Vera Lima.
Por meio da moda, sempre em mudança, você não
apenas possibilita que o outro o descubra como também
pode fazer descobertas sobre si mesmo, como estados
de espírito até então adormecidos.
A professora de semiótica da PUC-SP Ana Cláudia de
Oliveira usa como exemplo os catálogos e outdoors das
grifes de roupa para jovens que estampam garotas e rapazes mantendo uma relação com o corpo que induz à
sedução: "O consumidor pode, a partir dos elementos
que aquele vestuário lhe fornece, ter um "insight" e dizer
"preciso me tornar mais sensual". A transformação é
própria da moda. E também é própria do indivíduo. Logo, buscando na moda um aliado, o indivíduo pode se transformar sempre".
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