São Paulo, quinta-feira, 29 de agosto de 2002
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outras idéias

luiz otavio baptista

Desfazendo os nós


O importante é não ter uma fórmula única para resolver todos os problemas, mas saber que cada um é individual, diferente e único


A resolução de problemas é uma atividade importante em nossas vidas. Não passa um dia sem que um problema maior ou menor nos seja apresentado. Ora são pessoais, ora são situacionais, ora são sociais.
Normalmente, a atitude é fugir deles. Ou evitá-los, como faz o avestruz. Esconder a cabeça para não vê-los.
Alguns problemas são tão complexos que lembram as maçarocas de fios que a gente ajudava a avó a desfazer quando ela fazia tricô. Você ia soltando as pontas dos fios até liberá-las e poder fazer um novelo.
Algumas maçarocas também apareciam no fio que segurava uma pipa. Aí era mais complicado porque o fio era mais fininho. A mais famosa das maçarocas foi o nó górdio. Havia sido dado numa tira de couro ao redor de uma junta de bois e ficava num templo de Tebas, no antigo Egito. Conta-se que ninguém conseguia desfazê-lo porque quem o fizera jogara água em cima da tira de couro, e o couro encolhera e endurecera. Até que apareceu Alexandre, o Grande. Ao visitar o templo, os sacerdotes disseram-lhe que só conquistaria o mundo quem pudesse desfazer o nó górdio. Alexandre pegou uma espada e cortou-o. Assim desfez o nó e conquistou o mundo.
No dia-a-dia, não andamos com uma espada à cinta. Ao enfrentarem problemas, as pessoas procuram a maneira possível. Muitas vezes, precisam do auxílio de um terceiro -psicólogo, advogado, médico, conselheiro ou uma pessoa amiga. Quando não os querem enfrentar, maximizam-nos, tornam-nos maiores do que já são, ou fingem não vê-los.
Há alguns anos, em São Paulo, dizia-se que havia entre 3 e 5 milhões de crianças nas ruas. De fato, viam-se muitas crianças porque estavam em locais de grande trânsito. Aos políticos interessava o número grande, porque o problema se tornava quase insolúvel. Às ONGs, que buscavam recursos, também interessava "aumentar" o número de meninos de rua porque isso comovia mais gente e permitia-lhes angariar mais recursos.
Agora, sabe-se que o número dessas crianças é muito menor do que isso, qualquer coisa entre 3.000 e 4.000 crianças. É perfeitamente possível resolver o problema. Basta ter vontade. Mas, como outros, é um problema complexo. Se alguém tentar resolvê-lo, não poderá fazer isso de uma só vez e de uma maneira tão simples quanto a de Alexandre, que cortou o nó górdio. Será preciso pegar as muitas pontas do problema, uma a uma, e ir soltando. Rever o Estatuto da Criança e do Adolescente para torná-lo mais razoável e adequado à realidade, buscar formas de reestruturar as famílias dessas crianças e garantir recursos para manter essas crianças na escola. Partindo ou segmentando o problema, a solução viria pouco a pouco.
Outra maneira de resolver os problemas, além de segmentá-los, é saber a sua causa ou origem. Às vezes, eliminando-se a causa, o problema desaparece.
O importante é não ter uma fórmula única para resolver todos os problemas, mas saber que cada um é individual, diferente e único e pede uma fórmula que vai servir para ele. E, quanto maior o problema, mais ele depende de todos para ser resolvido. Por isso mesmo, os programas sociais não podem ficar na mão de um só. Não adianta querer dizer que o presidente, o governador, o prefeito ou um administrador serão os responsáveis pela solução dos problemas porque, sendo social, ela virá do esforço de todos.
Resolver problemas é inadiável e, para um bom equilíbrio na vida, é preciso saber tratar deles.



LUIZ OLAVO BAPTISTA é professor de direito internacional da Universidade de São Paulo e integrante do Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC)


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