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s.o.s. família - rosely sayão
Colunista propõe guerra aos ursinhos
Todo mundo sabe que criança pequena
adora um ursinho macio, gosta de estar o
tempo todo com ele por perto, chora quando
vai para a escola e tem de deixar o companheiro em casa, bem longe de sua vista. Se não é um
ursinho, é outro bichinho qualquer, de preferência bem macio e com cheiro adquirido pelo uso. Mas chega uma hora em que a criança cresce e deixa o ursinho de lado. Ele, que foi tão amigo, é abandonado porque a criança ganha o mundo e, com ele, outros interesses na vida.
Pois tenho uma desconfiança bem séria: a de
que os ursinhos foram acumulando carências
por tantos abandonos, reuniram-se e se rebelaram. E, por vingança pura, invadiram o
mundo adulto. Vejam se essa teoria não tem
fundamento: uma mulher de quase 30 anos
saiu com uma tarefa muito simples -comprar uma camisola. Encontrou fácil: de todas
as cores, mas a maioria com a mesma estampa: ursinhos e cia. Pensa que ela achou estranho ou ridículo? Que nada! Comprou e até ficou feliz.
Mas tenho exemplo relacionado a assunto
muito mais sério: os bancos escolares de quem
está fazendo doutorado. Uma profissional da
área de ciências exatas, cursando a pós-graduação para aprimorar e sistematizar seus conhecimentos, necessidade para quem atua como professora universitária, tinha de apresentar um seminário de avaliação ao final do curso. Conteúdos à parte, conta também a apresentação do trabalho, que ela cuidou nos mínimos detalhes. Adivinhem que imagem decorava a segunda tela do trabalho, apresentado em data-show. Ele mesmo: o ursinho.
O professor estranhou, mas a aluna achou
normal. Qual o problema, afinal? Nenhum, já
que moças recém-saídas da adolescência e já
vestidas como mulher enfeitam bolsas, celulares, chaveiros etc. com ursinhos e cia. Pois é: o
ursinho, um objeto que para a criança pequena compensa, muitas vezes, a ausência da mãe
e que a ajuda a enfrentar a angústia dessa situação, agora faz parte do mundo adulto.
Talvez porque os adultos -principalmente
os jovens adultos- estejam passando por um
processo de infantilização. E isso já não pode
mais ser tratado como brincadeira, já que as
crianças são os grandes observadores do
mundo adulto e aprendem muito com ele. O
mais interessante dessa história é que o inverso também acontece. Lembra quando conversamos sobre crianças que são vestidas como
adulto? Pois agora corremos o risco de ver
uma jovem mãe enfeitada com adereços infantis, com a filha pequena, toda faceira com
sapatos de salto, passeando pela cidade. O assunto merece reflexão porque não se trata
apenas de uma questão estética. Afinal, por
que se preocupar com o fato de universitários,
por exemplo, utilizarem material escolar com
desenhos infantis? Isso, por si só, não seria
problema. Ele aparece quando os pais desses
estudantes de curso superior -superior!-
procuram os professores dos filhos para tratar
da vida escolar deles. Aí a coisa fica bem mais
complicada, porque mostra que estamos
criando uma geração -ou mais de uma- de
pessoas sem autonomia. E é nesse ponto que
voltamos ao nosso conhecido assunto: a educação que visa a autonomia.
Ninguém nasce autônomo. Autonomia, responsabilidade e liberdade são conquistas da
vida adulta e fruto da educação -que têm seu
preço, é claro. O adulto precisa fazer escolhas,
arcar com as consequências delas, comprometer-se com elas. E, ao fazer escolhas, deixa
de lado muitas outras que poderia ter feito.
Por exemplo: quem se casa, constitui família,
tem filhos, abre mão da vida solitária e independente e assume responsabilidades consigo
e com outros. Quem escolhe outro rumo, abre
mão de uma vida compartilhada e companheira. Um estilo de vida não é melhor que o
outro: são diferentes. Mas não dá para levar os
dois ao mesmo tempo. Portanto, quando você
surpreender um ursinho -ou o equivalente
em objetos ou atitudes- na vida dos filhos jovens ou adultos -ou na própria-, é bom dar
uma pensada sobre o que isso significa. Precisamos combater a praga dos ursinhos.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br
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