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ROSELY SAYÃO
A educação pela brincadeira
Ao andarmos pelas cidades, cruzamos com
várias crianças pequenas, com menos
de seis anos, acompanhadas de
adultos ou apenas de crianças
pouco maiores. Elas pedem esmola, vendem doces, lixas, flores etc. São as nossas crianças
que realizam trabalho infantil.
Há também um número expressivo de crianças dessa idade que ficam em casa, muitas
vezes sem adultos, por falta de
vagas suficientes nas instituições públicas de educação infantil. E, finalmente, há as que
freqüentam a escola de educação infantil, quase sempre por
meio período no dia.
Será que existe algo em comum entre crianças com vidas
tão diferentes? Sim: muitas delas não têm espaço e tempo para brincar.
As primeiras porque já têm
responsabilidade de gente
grande: precisam produzir renda para a família. As do segundo
grupo porque passam horas em
frente à TV. E as do terceiro
porque, quando estão em casa,
também vêem TV: pesquisas
mostram que as crianças brasileiras passam de quatro a cinco
horas por dia assistindo à televisão. Ah, mas estas últimas
têm um espaço e um tempo
certos dedicados à brincadeira
quando vão à escola, certo?
Errado. Em geral, nem a escola permite que as crianças
brinquem no período em que lá
ficam. E vários motivos contribuem para isso.
Em primeiro lugar, construímos um problema sério para a
educação infantil: os professores não são valorizados e são
colocados em patamar inferior
ao dos demais docentes. Os pais
precisam saber que os professores que lecionam no ensino
médio ganham mais do que os que ensinam no segundo ciclo
do fundamental, que, por sua
vez, recebem salários maiores
do que os que trabalham no primeiro ciclo. Os que se dedicam
à educação infantil constituem
a classe D nas camadas sociais
criadas na escola, independentemente da formação, da experiência e da excelência na realização do trabalho. O salário é
apenas um sinal do que se espera desses professores.
Nos países em que a educação é tratada com seriedade, os
professores dos mais novos
têm de ter sólida formação -e
não só metodológica e técnica
mas também cultural.
Com a política que adotamos,
criamos uma ligação muito estreita entre o trabalho desses
professores e o doméstico. Não
é à toa que, principalmente
nesse ciclo, as professoras são
chamadas de "tia".
Para tentar dar um ar mais
profissional a esse trabalho,
muitas escolas decidiram investir no ensino de conteúdo,
realizando uma caricatura do
ensino fundamental. Isso acaba
por abolir o espaço para o lúdico. Chegamos ao ponto de termos crianças com três ou quatro anos que precisam aprender a escrever e que levam lição
para ser feita em casa! Pelos
pais, evidentemente.
Aliás, só estes podem ajudar
a mudar tal quadro: Exigindo
que as políticas públicas e as escolas privadas valorizem o profissional de educação infantil,
teremos chances de oferecer às
crianças profissionais qualificados capazes de acompanhá-las na descoberta de si e do
mundo pela brincadeira.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
roselysayao@folhasp.com.br
blogdaroselysayao.blog.uol.com.br
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