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São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 2003
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s.o.s. família - rosely sayão

Uma bela força para os pais de adolescente

Pais de adolescentes passam apertado, esse é um fato inegável. Nesse período, sustentar a educação e bancar os conflitos com eles é tarefa diária, árdua e cheia de sobressaltos, principalmente neste mundo com tantas tentações sedutoras e perigosas, com tantos apelos eróticos e pleno de violência. Isso exige tomadas de decisões a todo momento -"deixar ou não ir a determinada festa?", "qual o horário de retorno mais adequado a ser exigido?" etc.-, uma fiscalização, mesmo que discreta, sobre como o filho exerce a autonomia já conquistada e, principalmente, uma boa dose de coragem para, mesmo ciente de tantos problemas, liberar o filho para desfrutar a vida e sem desertar do papel de educador.
Converso bastante com pais e professores de adolescentes e observo um fato interessante: a tendência de localizar neles uma gama enorme de problemas que, na verdade, são problemas da humanidade, ou seja, dos adultos também. Por exemplo, não há uma vez que não ouço algum comentário a respeito do fato de como os jovens se deixam influenciar facilmente pelo grupo. Ora, e com os adultos, isso não ocorre? As roupas que usamos, os carros que compramos, os hábitos que adquirimos, o lazer que praticamos, nosso estilo de viver por acaso não é influência do grupo? Claro que é.
Outra característica que os adultos adoram localizar nos jovens, e só neles, é o comportamento impulsivo, a tendência a primeiro agir e só depois pensar no que pode acontecer, a busca rápida de satisfação para quase todos os impulsos. Basta prestar atenção cuidadosa no mundo adulto e logo concluímos que, se isso for coisa típica da adolescência, o tempo está caminhando para trás para os maduros.
Só mais um exemplo: a história das drogas. Então quer dizer que são apenas os adolescentes que se encantam com as diversas possibilidades e os benefícios -mesmo que de curta duração- que uma droga oferece, sem dar a mínima para os riscos? Sei. Quero ver quem busca a excelência da forma física, a diminuição de peso, a alegria permanente, a ausência de dor, a fuga da ansiedade etc. afirmar isso com convicção. "Ah, mas droga ilícita é outra história", podem dizer alguns. Sim, mas a lição dos usos das drogas é a mesma.
Essa posição por parte de muitos educadores não passa despercebida pelos filhos e alunos e, claro, provoca efeitos. Alguns deles são o descrédito, a falta de confiança, a insegurança quanto ao próprio futuro e o absoluto cinismo na relação com eles. Se pensarmos bem, essa reação nada mais é do que pura reciprocidade na forma de tratamento.
Ser educador de adolescente exige disposição para manter-se no lugar de autoridade e de adulto mesmo com os embates frequentes que eles produzem. Exige também aprender a conflitar e a dialogar na divergência sem perder o respeito -e ensinar o mesmo. Além disso, requer a sabedoria de quem já caminhou o suficiente na vida para saber que, para ir para a frente, muitas vezes é necessário dar alguns passos para trás, mantendo-se na mesma direção. Tudo isso se torna mais possível quando o educador se dispõe a construir e a retomar paciente e diariamente o vínculo com o jovem.
Esse vínculo, nas famílias, é basicamente um vínculo em torno do amor. Por conta desse afeto, expressado de múltiplas maneiras pela palavra e pela ação, o jovem, mesmo debatendo-se e opondo-se à posição da família -posição essa sempre autoritária, por mais liberal que ela seja-, percebe-se como um legítimo e importante membro desse grupo. É esse sentimento de pertencimento que colabora para que ele possa aderir às regras familiares.
Já nas escolas, tal vínculo pode ser construído em torno do conhecimento, a partir do princípio de que o jovem tem condições de se relacionar no ambiente escolar segundo critérios democráticos, tais como igualdade de direitos e de participação, de justiça e de liberdade e com autonomia. Diferentemente da família, a escola pode ser democrática. Aliás, ela é a responsável por ensinar como é possível viver e conviver democraticamente. Nós, adultos, que não tivemos essa lição na escola, precisamos assegurar esse direito às novas gerações.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail: roselys@uol.com.br


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