São Paulo, quinta-feira, 31 de março de 2005
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Entrevista

Oftalmologista encabeça projeto que pretende evitar que 100 milhões de pessoas fiquem cegas até 2020

Visão para todos

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

No mundo todo, aproximadamente 36 milhões de pessoas cegas poderiam estar enxergando neste momento. São crianças e adultos que perderam a visão em decorrência de cataratas que podem ser operadas, retinopatias diabéticas que podem ser controladas, deficiências de vitaminas que podem ser supridas, entre outras doenças curáveis e preveníveis. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), 80% da cegueira do mundo é curável ou evitável.
O problema tem relação direta com as condições socioeconômicas: 90% das pessoas cegas vivem em países do Terceiro Mundo, onde faltam serviços básicos de prevenção e tratamento ligados à saúde ocular.
Foi para tentar melhorar esse quadro que surgiu a IAPB (Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira). Desde 1975, a entidade desenvolve ações em vários países para prevenir e curar doenças ligadas à cegueira.
Em 1999, ela lançou, em conjunto com a OMS, o projeto Visão 2020, que pretende evitar que 100 milhões de pessoas fiquem cegas até 2020.
Há oito anos na IAPB, o oftalmologista paraguaio Rainald Duerksen é o presidente da organização na América Latina.

Equilíbrio - De que maneira a cegueira está ligada às condições de vida?
Rainald Duerksen -
Primeiro, falta informação. Muita gente cega não sabe que pode ver. Outra coisa é que, geralmente, as pessoas cegas são idosas e dependem de parentes. Falta sensibilidade para cuidar de pessoas de idade. O terceiro ponto é que o hospital costuma estar longe do paciente.

Equilíbrio - Como é possível evitar a cegueira?
Duerksen -
As estratégias dependem de cada problema. Podemos curar algumas doenças, evitar que determinadas enfermidades apareçam e impedir que outras evoluam para a cegueira. A doença que faz mais cegos no mundo é a catarata. Ela pode ser operada, mas os pacientes não recorrem ao serviço. Temos que criar um plano que contemple todas as barreiras da questão, que busque e leve o paciente em casa. A retinopatia diabética é outra doença comum. Diabéticos podem ficar cegos. Nesse caso, a estratégia é diferente: podemos criar um programa de nutrição para que eles aprendam a controlar a glicose.

Equilíbrio - Como a IAPB trabalha?
Duerksen -
A IAPB é uma associação sem fins lucrativos formada por organizações do campo da oftalmologia. Criamos grupos de trabalho que desenvolvem estratégias dentro de cada país para levar atendimento oftalmológico a quem não pode pagar. Estamos convencidos de que só conseguiremos isso se fizermos alianças. E essas parcerias são feitas com governos, sociedades profissionais, ONGs e com a indústria de materiais oftalmológicos.

Equilíbrio - Qual é o impacto econômico da redução da cegueira?
Duerksen -
Cada pessoa cega representa um custo para a sociedade. Ela deixa de trabalhar, tem uma pessoa que tem que cuidar dela e, às vezes, também não pode ir ao trabalho. A implementação da Visão 2020 significa uma economia mundial de 150 bilhões de dólares. E o projeto custa 10 bilhões de dólares em 20 anos.

Equilíbrio - Por que o ano 2020?
Duerksen -
É um slogan, uma meta. A meta para o ano 2020 é eliminar 80% de toda a cegueira que é prevenível. A visão é um direito humano fundamental a que todos devem ter acesso. Além disso, 20/20 é uma definição que se usa em oftalmologia para medir a visão. Quem alcança a medida 20/20 tem uma visão perfeita. Visão 2020 é visão perfeita para todos no ano 2020.

Equilíbrio - O projeto começou em 1999. Nesses cinco anos, o que foi feito?
Duerksen -
Sensibilizamos profissionais, sociedades médicas, empresas, ONGs e governos. Por isso, em Genebra, em 2003, todos os 192 países pertencentes à OMS assinaram um documento comprometendo-se a, até 2005, terem um comitê nacional do Visão 2020 e, até 2007, criarem um plano nacional de ação. Eles terão que demonstrar que até 2010 já estão trabalhando com isso e o programa tem que funcionar pelo menos até 2020.

Equilíbrio - O que o Visão 2020 fez no Brasil até agora?
Duerksen -
Todos os anos, desde 1999, fizemos cursos em que analisamos essas estratégias. Convidamos oftalmologistas, especialmente que trabalham em zonas rurais, e gente que atua em hospitais importantes. Mas nossa contribuição no Brasil é mínima, porque o que fazemos é colaborar com algo que já está funcionando. Em 1999, por exemplo, no Brasil, por cada milhão de habitantes, se faziam em torno de 600 cirurgias de cataratas. Foi criado um programa de cirurgia de catarata, e hoje são mais de 2.000. Melhorou muito, mas o ideal é pelo menos 3.000. Ainda há muito que fazer.


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