São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2001
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Livre-se do cigarro e, com ele, do câncer de boca

Marcelo Barbani/Folha Imagem
O funcionário público Edson Evangelista, 47, que teve câncer


KARINA KLINGER - DA REPORTAGEM LOCAL

Além de fumo e álcool, a má higienização e o consumo frequente de bebidas quentes e carnes grelhadas são fatores de risco

Discreto, ele começa em forma de pequenas feridas na boca ou de manchas esbranquiçadas ou avermelhadas nos lábios. Por ser pouco conhecido, costuma ser diagnosticado tardiamente e, por isso, mata. Fala-se muito em câncer de mama, de colo de útero e de próstata, mas pouco do câncer de boca. Só o Estado de São Paulo tem a quarta maior incidência desse tipo de câncer do mundo, perdendo apenas para a Índia, a França e a antiga Tchecoslováquia, nessa ordem.
São 3.960 novos casos por ano, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer. Ou seja, 17 novos casos para cada 100 mil homens e 6 novos casos para cada 100 mil mulheres em São Paulo. E é também nesta cidade que fica um dos cinco centros de referência mundial de cânceres de cabeça e pescoço, o Hospital do Câncer.
"O grande problema no país é que as pessoas não procuram atendimento médico no início da doença por desconhecimento. Se isso fosse feito com maior frequência, o tumor seria tratado desde o começo e, nesse caso, as chances de cura chegariam a 95%", afirma Amadeu Rodrigues da Silva Jr., professor da Faculdade de Odontologia da USP, em Ribeirão Preto (interior de SP).
Somente em estágio mais avançado da doença é que o paciente sente incômodo. Nessa fase, dificuldades de fala, mastigação e deglutição, dor e emagrecimento acentuado são sintomas comuns.
"As pessoas acham que as feridas iniciais são simples aftas e não procuram tratamento. Mas, se as feridas não cicatrizam em 15 dias, elas devem procurar ajuda de médico ou dentista", adverte o oncologista Luiz Paulo Kowalski, diretor do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital do Câncer (SP).
A equipe de Kowalski já tem catalogadas 200 mil sequências de DNA relacionadas ao câncer de boca. Com essas descobertas, espera-se um dia prevenir os cânceres dessa região por meio de testes e dispor de tratamentos mais específicos.
Como boa parte dos cânceres, o de boca também é consequência de maus hábitos adotados pelo homem. O tabagismo encabeça a lista dos fatores de risco, seguido pelo alcoolismo. Enquanto quem fuma tem de sete a oito vezes mais chances de desenvolver câncer de boca, quem bebe tem de três a quatro.
Além da ação tóxica do cigarro e do álcool (leia mais na pág. 10), a má higienização bucal, o consumo excessivo de bebidas quentes (como chimarrão) e de carnes grelhadas, próteses mal adaptadas e uma dieta pobre em proteínas, vitaminas A, E, C e do complexo B contribuem para o aparecimento do câncer.
A associação desses fatores à predisposição genética aumenta ainda mais o risco de desenvolver a doença.
Os métodos terapêuticos aplicáveis ao câncer de boca são cirurgia, radioterapia e quimioterapia, que podem ser usadas de forma associada ou não. Segundo Miriam Honda Federico, chefe da oncologia do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas, as cirurgias costumam ser complicadas quando a área do tumor é extensa e podem resultar em mutilações, como a retirada de parte da língua, do olho ou do lábio.
De indefesa, a mucosa bucal não tem nada. Por isso não adianta culpá-la pelo câncer de boca, como faz boa parte das vítimas. Apesar de a mucosa ser lesionada com facilidade (basta usar o fio de dental de forma incorreta ou escovar os dentes bruscamente), ela se regenera com facilidade. "Se contarmos os múltiplos traumas que sofre no dia-a-dia, ela tem poder de regeneração invejável", diz Rodrigues. A questão é que a mucosa não suporta traumas constantes e por longos períodos.
As alterações celulares que resultam da exposição da mucosa bucal aos agentes cancerígenos (como cigarro e álcool) inicialmente se manifestam por meio de lesões inflamatórias. Se a agressão for intensa e prolongada, levará ao desenvolvimento de displasias (anormalidade na multiplicação das células), que podem ser de grau leve ou intenso. No segundo caso, podem evoluir para um carcinoma, tipo de câncer de boca que aparece sobretudo na língua e no assoalho da boca.
Em Nova Déli , na Índia, a incidência de câncer da boca é altíssima. Atualmente, 18,1% dos novos casos de câncer entre a população masculina local são de boca. Lá, além do cigarro, uma das principais causas da doença é o hábito da população de mascar tabaco e "pan masala" (mistura de tabaco, noz-de-bétele esmagada e outros ingredientes enrolados em uma folha). A situação no país é considerada alarmante porque crianças em idade escolar estão desenvolvendo o hábito constante de mascar a "pan masala". "Segundo especialistas, a Índia caminha para uma epidemia de câncer de boca", afirma Miriam Federico.
Como no caso da prevenção ao câncer de mama, o de boca também tem seu auto-exame.



Texto Anterior: Onde
Próximo Texto: Ex-fumantes com câncer
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.