UOL


São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 2003
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

foco nela

Consultora propõe a minimização do lixo

CRISTINA CAROLA
DA REPORTAGEM LOCAL

Que o lixo precisa ser reciclado, todo mundo já sabe. Mas o que poucos sabem é que a reciclagem também gera poluição e lixo e, portanto, deve ser evitada. Como? Reduzindo a quantidade de lixo.
Diminuir a produção de lixo é a proposta defendida pela consultora ambiental Patrícia Blauth, 40, que trabalha nessa área há 15 anos. Segundo Blauth, é simples fazer isso: basta olhar para o lixo produzido e verificar o que poderia não estar ali. Guardanapos de papel são um exemplo, pois podem ser substituídos por modelos de tecido.
A redução pode ser feita também em escala maior. Em um banco, a consultora trocou os copos descartáveis usados pelos funcionários por canecas de porcelana, evitando assim o descarte de 25 mil copos por dia. Já no bar Zatar (SP), ela implantou um programa que minimizou em até 50% a produção de lixo. Uma das ações foi substituir os sachês de açúcar por açucareiros. Leia a entrevista abaixo.


"A reciclagem tem legitimado o desperdício. Em escolas, temos de desconstruir os programas que se baseiam na gincana de quanto mais reciclável, melhor. Não é essa a idéia, é quanto menos lixo, melhor"


Folha - As pessoas estão mais conscientes do problema do lixo?
Patrícia Blauth -
O enfoque de muitos programas tem sido a reciclagem, e eu trabalho com a minimização. Mas, muitas vezes, por meio de um programa desses, a pessoa começa a se dar conta da quantidade de resíduos e repensa suas opções de consumo. Sinto que as pessoas estão receptivas, sensíveis e estão multiplicando o trabalho. Quando você realmente sensibiliza a pessoa, ela não consegue mais ver o lixo da mesma forma.

Folha - A quanto pode chegar a redução do lixo?
Blauth -
Tem lugares em que reduzimos o lixo para um décimo, com um trabalho pautado nos três erres. Primeiro, a redução do uso, do consumo e do desperdício. Se há um material que não dá para reciclar -uma embalagem, por exemplo-, tento cortá-lo da minha lista de compras e substituí-lo. Segundo, a reutilização e, por último, a reciclagem. Quando falamos em minimizar não é algo simbólico, dá para minimizar bastante.

Folha - É possível obter os mesmos resultados em casa e no escritório?
Blauth -
O princípio dos três erres serve para qualquer ambiente, e até mesmo para resíduos complicados, como os de saúde. Na minha casa, eu começaria olhando e fazendo um diagnóstico do meu lixo. Coador de papel: é frescura, então troco pelo de pano. Bandeja de isopor: posso encontrar os mesmos produtos sem a bandeja. Comida: comprei demais, errei no cálculo? Essa é a lógica, ver item por item. No fundo, é um exercício de ser mais responsável mesmo. É um movimento em busca de opções.

Folha - Mas o estilo atual de vida não incentiva a redução, não é?
Blauth -
Para eu reduzir meu lixo, tenho de rever meu estilo de consumo. Não é só usar o papel frente e verso, isso não é reduzir. A redução depende muito de um arranjo comunitário, que não é muito privilegiado nas grandes cidades. O lixo acaba sendo um reflexo de um padrão individualista, de famílias menores. Se eu trabalho a competição na escola, eu enfraqueço esses laços afetivos entre as pessoas e acabo contribuindo para o individualismo e o consumo. Não é só uma discussão mecânica, do que eu separo, onde, em que lixeira, não é isso. Porque isso não garante resultados duradouros.

Folha - Educar as pessoas é difícil?
Blauth -
A etapa da educação é um desafio mesmo, mas eu, que trabalho com isso há 15 anos, vejo que está dando resultado. Acho que o que falta mesmo é discutir mais o espaço entre a consciência e a ação. No aspecto operacional, por exemplo, não adianta eu descartar seletivamente se eu não tiver a garantia de que aquilo será reciclado. Até brinco: comece pelo fim. Quem quer o material descartado, com que frequência pode ser retirado? Aí pense na infra-estrutura para descarte e depois na educação.

Folha - As pessoas erram quando separam o lixo?
Blauth -
Muito. Para simplificar, algumas cartilhas dizem para separar o lixo seco do úmido. Isso é absurdo! Entre os resíduos secos, há muita coisa não-reciclável, como o isopor. Ninguém quer isopor no Brasil, não é reciclável comercialmente. A questão não é facilitar e tornar a coisa tão banal que seja malfeita. As pessoas mandam um monte de coisas que não são recicláveis e vão ser descartadas como lixo. A simplificação tem confundido as pessoas, e elas se frustram.

Folha - Seguras de que um material é reciclável, as pessoas não aumentam seu consumo?
Blauth -
A reciclagem tem legitimado o desperdício. Em escolas, temos de desconstruir os programas que se baseiam na gincana de quanto mais reciclável, melhor. Não é essa a idéia, é quanto menos lixo, melhor. Em escolas menos carentes, por exemplo, as crianças chegam a convencer os pais a não comprarem cerveja em garrafa de vidro, que é retornável, para comprar a descartável. As pessoas geram lixo de propósito em nome da reciclagem.

Folha - O símbolo nas embalagens é garantia de que o material é reciclável?
Blauth -
Não, isso ainda não está normatizado no Brasil, e as empresas usam isso como marketing ecológico. É propaganda enganosa. Tanto que até em bandejas de isopor está lá o símbolo em relevo. Tudo bem, o isopor é reciclável. Mas onde, no Japão? Aqui, ninguém aceita. Esse símbolo deveria ser usado onde o material fosse comercialmente reciclável.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: quem é ela
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.