São Paulo, sexta, 1 de maio de 1998

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Se todos trabalhassem menos horas haveria mais empregos?

Reduzir jornada de trabalho para empregar mais pessoas pode produzir efeito oposto; alguns países adotam contratos de meio período como forma de expandir vagas
do Conselho Editorial

Em francês ou em inglês, em espanhol ou até em grego, o movimento sindical europeu canta um cântico único: "Trabalhar menos para que todos possam trabalhar".
É a pauta musical para defender a redução da jornada de trabalho das 40 horas semanais, hoje mais ou menos generalizadas, para 35 horas (ou até 32 horas, em certos casos ou países).
Seria a resposta para o desemprego, na visão do sindicalismo europeu e também brasileiro.
Será mesmo? Nem os sindicalistas exibem consenso a respeito. Embora a maioria defenda a tese, Nicole Cotat, secretária-geral da CFDT (Confederação Francesa de Trabalhadores), acha que a redução da jornada pode servir para outras finalidades, "mas, como arma antidesemprego é publicidade enganosa".
Por quê? Responde Jennifer Hunt, especialista da Universidade de Yale em trabalho/emprego: "Não há evidências de que a redução da jornada reduza também o desemprego. Os empregadores acham o sistema ineficiente e compensam a redução com o corte dos custos, inclusive na folha de pagamentos" (dispensando empregados, portanto, em vez de contratá-los).
O patronato, como é natural, concorda com a análise de Hunt, como o demonstra a reação de Jean Gandois, o principal dirigente empresarial francês quando do anúncio, no final de 97, do projeto de lei que reduz a jornada de trabalho para 35 horas.
Gandois demitiu-se da central patronal, dizendo que a nova lei "será muito ruim para o emprego e vai criar considerável desemprego".
Dúvida européia
O governo socialista francês passou por cima da reação e encaminhou ao Legislativo o projeto que prevê uma jornada de 35 horas a partir de janeiro do ano 2000.
Romano Prodi, o primeiro-ministro italiano, pegou carona e também apresentou proposta com o mesmo objetivo.
Até agora, no entanto, França e Itália ficaram isoladas, na Europa, na proposição das 35 horas semanais. Padraig Flynn, o irlandês que chefia a área de Assuntos Sociais na Comissão Européia (braço executivo do conglomerado de 15 países), diz: "A União Européia não recomendará a seus membros aplicar de forma generalizada a semana de 35 horas".
Flynn duvida das virtudes milagrosas da jornada semanal de 35 horas: "Certamente, não é a panacéia contra o desemprego", afirma.
Prova de que a questão é de fato complexa vem do fato de outro líder europeu, Jacques Poos, chanceler de Luxemburgo, ter opinião oposta: "A idéia das 35 horas semanais se imporá a todos no início do século 21".
A experiência alemã
Previsão arriscada a de Poos. Por enquanto, as 35 horas semanais parecem confinadas a poucos exemplos, entre as grandes empresas. Um deles é o da Volkswagen alemã.
Pressionada pelos prejuízos, em 1993, a empresa propôs (e os trabalhadores aceitaram) reduzir a jornada para 28,8 horas semanais (diminuição de 20%), com corte salarial menor (15%), a partir de 1º de janeiro de 94.
A alternativa era dispensar 30 mil dos 128 mil trabalhadores das dez unidades da Volkswagen na Alemanha.
O esquema funcionou, aparentemente para os dois lados: a Volks voltou ao lucro, e uma pesquisa feita dois anos depois (em 1996) mostrou que 75% dos empregados estavam satisfeitos.
A Siemens, a maior empregadora alemã (197 mil funcionários), seguiu a tendência, mas num segmento mais limitado: acordo com o sindicato permitiu que os empregados de 55 anos ou mais reduzam à metade a jornada de trabalho, com corte salarial de apenas 18%.
São dois casos poderosos, pelo porte das empresas envolvidas, mas nem assim o suficiente para convencer o próprio empresariado alemão.
Peter Stihl, presidente das Câmaras de Comércio e Indústria da Alemanha, acha que o correto é aumentar, em vez de diminuir, as horas trabalhadas, "para reduzir o custo da mão-de-obra, e estimular as empresas a contratar".
Tempo parcial
Uma vertente menos polêmica de redução da jornada de trabalho é o trabalho em tempo parcial, com salário correspondente.
A idéia é menos polêmica por que implica a aceitação do empregado, que se dispõe a ganhar menos para ter mais tempo livre disponível, porque suas necessidades básicas podem ser satisfeitas mesmo com um rendimento inferior.
Serve, acima de tudo, para países extremamente homogêneos, como a Holanda, no qual 38,1% da força de trabalho têm emprego "part-time".
Nos Estados Unidos, o trabalho em tempo parcial também cresceu, mas não por acordo entre as partes. Foi como imposição, gerando um crescimento da desigualdade social criticada até por Robert Reich, que foi secretário do Trabalho no primeiro mandato de Bill Clinton (1993-96).
Polêmica ou não, a proposta das 35 horas semanais ganhou força a partir de dados impressionantes sobre como a indústria, no mundo todo, faz hoje muito mais produtos com muito menos gente.
A Volkswagen alemã, para ficar num só exemplo, fabricou, em 1996, 4 milhões de veículos com 243 mil funcionários. Quatro anos antes, 280 mil trabalhadores faziam apenas 3 milhões de unidades. (CLÓVIS ROSSI)



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