São Paulo, sexta, 1 de maio de 1998

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A tecnologia está roubando o emprego dos trabalhadores?

Investimento em tecnologia não aumenta o desemprego se a economia está crescendo; robotização criou empregos na fábrica da Volkswagen em Taubaté
MARIO CESAR CARVALHO
da Reportagem Local

Grande cara, o Adamastor. Quando chegou à fábrica da Volkswagen, o grandalhão espalhou pânico na linha de montagem. Caladão, fazia o trabalho de quatro soldadores. Com o tempo, foi ganhando a confiança da peãozada. O truque? Não roubou o emprego de ninguém. Ao contrário. Era tão rápido que contrataram mais metalúrgicos para dar conta das carrocerias que ele soldava.
Adamastor é um robô. Opera na Volks em Taubaté (SP), a fábrica mais robotizada do país. Em 1994, tinha 60 robôs e 6.403 funcionários. Ano passado, os robôs mais que dobraram (eram 137) e o número de empregos cresceu para 7.471. A demanda pelos carros ali produzidos, o Gol e a Parati quatro portas, e a velocidade dos robôs levaram a Volks a contratar mais metalúrgicos.
Se o ministro do Trabalho, Edward Amadeo, desse um pulinho até essa fábrica, veria sua justificativa de que a principal causa do desemprego no Brasil são as novas tecnologias ser estraçalhada.
Pergunte a Paulo Cesar da Cruz, 33, um prensista convertido em operador de robô com as mudanças tecnológicas. "Eu achava que robô tinha duas pernas e andava, como nos filmes. Tinha um pouco de medo do bicho. Quando eles chegaram aqui, vi que não era nada daquilo. Fui estudar o robô, ganho mais hoje, e ninguém foi demitido", conta Cruz, cujo salário passou de R$ 1 mil a R$ 1,6 mil com a robotização.
Crescimento e negociação
Não houve mágica na Volks. Só a combinação de dois fatores que desmontam a hipótese de que a tecnologia desemprega: a produção de carros era crescente e o sindicato dos metalúrgicos conseguiu barganhar um acordo em que cediam em alguns pontos, mas garantiam que a introdução de novas máquinas não desempregaria ninguém -os funcionários atingidos seriam retreinados.
O maior levantamento sobre o impacto da modernização na indústria brasileira, feito pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) e Senai (Serviço Nacional da Indústria), confirma que Adamastor pode ser um bom camarada -e que o senso comum está errado quando acredita que o seu trabalho está sendo roubado por máquinas modernas e computadores.
O setor da indústria que mais desempregou entre 1992 e 1996, segundo o estudo, foi a construção civil -33,8% dos empregos foram cortados no período.
Coincidência ou não, a construção civil foi o setor que menos investiu em tecnologia. Só 5% da receita operacional líquida (o faturamento já descontados os impostos) das construtoras foram gastos na compra de novos equipamentos (veja quadro ao lado).
O antípoda da construção civil em investimento tecnológico foi o setor de telecomunicações. As empresas investiram 40,6% de suas receitas em novos equipamentos e o setor ficou em primeiro lugar entre as que menos desempregaram no período de 1992 e 1996 -1% dos empregados foram demitidos.
Ciranda do emprego
Então, tecnologia não causa desemprego?
Não é bem assim. Um estudo da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), assinado por Martin Carnoy, da Universidade Stanford, e Manuel Castells, da Universidade da Califórnia, conclui que tecnologia cria e destrói empregos ao mesmo tempo. Tudo depende do local observado e do ambiente econômico em que é aplicada.
No local onde é aplicada a tecnologia desemprega automaticamente. Na linha de soldagem da Volks, por exemplo, o robô desemprega, mas cria empregos na montagem final porque mais carrocerias estão sendo produzidas graças aos robôs.
A principal causa do desemprego é a velocidade de crescimento da economia. Com a economia andando em marcha lenta, como é o caso do Brasil, a tecnologia pode desempregar, mas quando o cenário é de crescimento, o choque tecnológico cria empregos, segundo Mario Sergio Salerno, professor do curso de engenharia de produção da Escola Politécnica da USP.
O exemplo mais contundente é a comparação dos Estados Unidos e do Japão, os países mais automatizados do mundo, com a Europa, onde a difusão tecnológica segue um ritmo menor.
Enquanto os Estados Unidos e o Japão criaram, respectivamente, 35 milhões e 15 milhões de novos empregos nas últimas duas últimas décadas, os 12 países da Comunidade Européia não foram além dos 7 milhões, a maioria deles públicos, segundo Carnoy e Castells.
O movimento simultâneo de criação e destruição de empregos pela tecnologia não é novo nem foi resultado do barateamento dos computadores. Entre 1909 e 1919, o número de empregados nas fábricas de carruagem caíram de 70 mil para 26 mil nos EUA. Para esses trabalhadores, era o apocalipse. A indústria automobilística, porém, mais do que compensou os cortes -seus funcionários passaram de 85 mil para 394 mil no período.
O salto da importação
No Brasil, houve um fenômeno similar ao das carruagens com a abertura do mercado de automóveis à concorrência internacional no governo Collor.
Em 1991, quando o mercado foi aberto, a indústria empregava 124.859 trabalhadores e produzia 960.219 veículos. Ano passado, os empregos caíram a 116.667 e a produção mais que dobrou em relação a 1991 -2.067.452.
"As montadoras tiveram um ganho de produtividade brutal, reduziram o número de funcionários, mas a abertura do mercado criou empregos nas importadoras, no porto, nas concessionárias, nas lojas de peças e oficinas mecânicas", diz o engenheiro José Roberto Ferro, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador da indústria automobilística.
Tecnologia cria emprego quando aumenta a produtividade, esse ganho é repassado ao consumidor com queda de preço do produto, o mercado se expande e essa expansão gera novas oportunidades de negócios.
Com a economia estagnada ou crescendo pouco, como ocorre com o Brasil, os ganhos de produtividade não significam queda de preços nem expansão do mercado -daí o desemprego.
O discurso de que a tecnologia é culpada pelo desemprego não passa de cortina de fumaça, segundo Salerno, da USP.
"Esse discurso pode servir para ganhar a eleição, mas não tem base científica. Se o governo admitisse que a tecnologia não tem muita culpa, pelo menos estaria lidando com a verdade. E a verdade é a melhor maneira de começar a combater o desemprego", diz.



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