São Paulo, sábado, 01 de junho de 2002

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Livro é reportagem parcial e humanista

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando os conflitos na região dos Bálcãs se encontravam no auge na década de 1990, era comum a citação por analistas de uma frase escrita por John Reed em 1916: "A questão da Macedônia tem sido a causa de toda guerra importante na Europa pelos últimos 50 anos, e até ela ser resolvida não haverá paz nem nos Bálcãs nem fora deles. A Macedônia é a mais apavorante mistura de raças jamais imaginada. Albaneses, sérvios, romenos, gregos e búlgaros vivem ali, lado a lado, sem se misturar e têm vivido assim desde os dias de São Paulo".
Essa referência recorrente indica não só a permanência e irresolução dos problemas balcânicos na agenda internacional como a atualidade das conclusões a respeito deles a que Reed chegara no início do século 20. O público brasileiro poderá agora, mais uma vez, constatar que John Reed continua a ser uma leitura elucidativa pelo conteúdo e agradável pelo estilo, graças ao lançamento pela Conrad Editora de "Guerra dos Bálcãs" (de onde a citação acima foi retirada), o primeiro livro publicado pelo célebre autor de "Dez Dias que Abalaram o Mundo".
"The War in Eastern Europe" foi originalmente editado pela Scribners & Sons em 1918, com 329 páginas e 30 ilustrações em branco e preto de Boardman Robinson (cujo trabalho também aparece na edição brasileira). O volume era composto das reportagens publicadas a partir do verão de 1915 pela revista "Metropolitan", que havia contratado Reed como seu correspondente de guerra em 1914.
Nascido em Portland, Oregon, e educado em Harvard, Reed se tornou conhecido pela sua militância no Partido Comunista e pela atuação na revista "The Masses". A cobertura que fez da Revolução Mexicana para "Metropolitan" o credenciou como um dos mais importantes jornalistas americanos, condição reafirmada depois de ser enviado para a Europa quando a Primeira Guerra Mundial começou. O fato de ser o mais bem pago correspondente internacional da imprensa americana era constantemente utilizado por seus inimigos ideológicos que o acusavam pelo que julgavam ser uma contradição inaceitável.
Quem já leu "Dez Dias que Abalaram o Mundo" sabe que Reed não tinha o menor compromisso com a imparcialidade. Isso não impediu que aquele relato da Revolução Comunista de 1917 viesse a ser considerado por um seleto grupo de professores de jornalismo convocados para selecionar as melhores reportagens do século 20 como o sétimo melhor trabalho jornalístico do período.
As convicções políticas de Reed estão presentes em todas as páginas de "Guerra dos Bálcãs". Ele não esconde sua simpatia pelos sérvios e pela tese da "Grande Sérvia". Mas a propaganda paneslava do autor não diminui a importância histórica de seu relato nem, muito menos, a qualidade literária do seu texto.
Os grandes momentos de "Guerra dos Bálcãs" estão na descrição do cotidiano dos locais por onde Reed e Robinson passaram nos sete meses em que correram a Europa conflagrada. Nelas, sobressai o humanista Reed, que supera de longe o ideólogo: "Na agitação de invasões repentinas, resistência desesperada, captura e destruição de cidades, os homens parecem perder seu caráter distintivo pessoal ou racial e tornam-se semelhantes na insana democracia das batalhas".
A missão seguinte de Reed, após a Primeira Guerra Mundial na Europa Oriental, foi a Revolução Russa. Nela, engajou-se como militante, mais do que jornalista. Sua colaboração com os líderes bolchevistas assegurou-lhe a honra, ao morrer em 1920, aos 33 anos, de ser enterrado na Praça Vermelha. Mas foi o reconhecimento de suas qualidades de repórter que possibilitou a recuperação póstuma de seu prestígio no país em que nasceu. O leitor brasileiro tem mais uma demonstração de por que isso ocorreu.


Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"

Avaliação:    

A OBRA

"Guerra dos Bálcãs"
Autor: John Reed
Tradutora: Ludimila H.Barros
Editora: Conrad Editora
Preço: a definir (280 págs.)


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