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Livro é reportagem parcial e humanista
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando os conflitos na região dos Bálcãs se encontravam no auge na década de 1990,
era comum a citação por analistas
de uma frase escrita por John
Reed em 1916: "A questão da Macedônia tem sido a causa de toda
guerra importante na Europa pelos últimos 50 anos, e até ela ser
resolvida não haverá paz nem nos
Bálcãs nem fora deles. A Macedônia é a mais apavorante mistura
de raças jamais imaginada. Albaneses, sérvios, romenos, gregos e
búlgaros vivem ali, lado a lado,
sem se misturar e têm vivido assim desde os dias de São Paulo".
Essa referência recorrente indica não só a permanência e irresolução dos problemas balcânicos
na agenda internacional como a
atualidade das conclusões a respeito deles a que Reed chegara no
início do século 20. O público brasileiro poderá
agora, mais uma
vez, constatar
que John Reed
continua a ser
uma leitura elucidativa pelo
conteúdo e
agradável pelo
estilo, graças
ao lançamento
pela Conrad
Editora de
"Guerra dos Bálcãs" (de onde a citação acima foi retirada), o primeiro livro publicado pelo célebre autor de "Dez Dias que Abalaram o
Mundo".
"The War in Eastern Europe"
foi originalmente editado pela
Scribners & Sons em 1918, com
329 páginas e 30 ilustrações em
branco e preto de Boardman Robinson (cujo trabalho também
aparece na edição brasileira). O
volume era composto das reportagens publicadas a partir do verão de 1915 pela revista "Metropolitan", que havia contratado Reed
como seu correspondente de
guerra em 1914.
Nascido em Portland, Oregon, e
educado em Harvard, Reed se tornou conhecido pela sua militância
no Partido Comunista e pela atuação na revista "The Masses". A cobertura que fez da Revolução Mexicana para "Metropolitan" o credenciou como um dos mais importantes jornalistas americanos,
condição reafirmada depois de
ser enviado para a Europa quando a Primeira Guerra Mundial começou. O fato de ser o mais bem
pago correspondente internacional da imprensa americana era
constantemente utilizado por
seus inimigos ideológicos que o
acusavam pelo que julgavam ser
uma contradição inaceitável.
Quem já leu "Dez Dias que Abalaram o Mundo" sabe que Reed
não tinha o menor compromisso
com a imparcialidade. Isso não
impediu que aquele relato da Revolução Comunista de 1917 viesse
a ser considerado por um seleto
grupo de professores de jornalismo convocados para selecionar as
melhores reportagens do século
20 como o sétimo melhor trabalho jornalístico do período.
As convicções políticas de Reed
estão presentes em todas as páginas de "Guerra dos Bálcãs". Ele
não esconde sua simpatia pelos
sérvios e pela tese da "Grande Sérvia". Mas a propaganda paneslava
do autor não diminui a importância histórica de seu relato nem,
muito menos, a qualidade literária do seu texto.
Os grandes momentos de
"Guerra dos Bálcãs" estão na descrição do cotidiano dos locais por
onde Reed e Robinson passaram
nos sete meses em que correram a
Europa conflagrada. Nelas, sobressai o humanista Reed, que supera de longe o ideólogo: "Na agitação de invasões repentinas, resistência desesperada, captura e
destruição de cidades, os homens
parecem perder seu caráter distintivo pessoal ou racial e tornam-se semelhantes na insana democracia das batalhas".
A missão seguinte de Reed, após
a Primeira Guerra Mundial na
Europa Oriental, foi a Revolução
Russa. Nela, engajou-se como militante, mais do que jornalista. Sua
colaboração com os líderes bolchevistas assegurou-lhe a honra,
ao morrer em 1920, aos 33 anos,
de ser enterrado na Praça Vermelha. Mas foi o reconhecimento de
suas qualidades de repórter que
possibilitou a recuperação póstuma de seu prestígio no país em
que nasceu. O leitor brasileiro tem
mais uma demonstração de por
que isso ocorreu.
Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
Avaliação:
A OBRA
"Guerra dos Bálcãs"
Autor: John Reed
Tradutora: Ludimila H.Barros
Editora: Conrad Editora
Preço: a definir (280 págs.)
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