São Paulo, sábado, 2 de maio de 1998

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CIÊNCIA

Um único remédio não seria capaz de impedir o processo de envelhecimento, que ocorre de formas diversas em diferentes partes do corpo


Elixir da juventude ainda é sonho impossível

FLAVIA NATÉRCIA
da Equipe de Trainees

Pesquisas recentes mostram que o elixir da juventude é uma fantasia que provavelmente nunca sairá dos livros ou das telas de cinema. Mas algumas descobertas têm ampliado a possibilidade de prolongar a vida ativa e autônoma.
Não existe um padrão de envelhecimento que ocorra da mesma forma em todas as partes do corpo -o cérebro diminui, enquanto o tórax se dilata (veja ao lado).
Há também uma grande variação de pessoa para pessoa, devido a fatores ambientais e genéticos -dois gêmeos idênticos, um obeso e outro magro, terão diferentes expectativas de vida.
Segundo Marília Cardoso Smith, geneticista do Departamento de Genética Médica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), falta compreender os processos básicos do envelhecimento para ampliar as possibilidades de intervenção.
Tais processos se dão no interior das células. O estresse oxidativo e o encurtamento dos telômeros, cuja descoberta trouxe novas perspectivas para o combate ao câncer, são os mais conhecidos.
O estresse oxidativo é um processo decorrente da queima das moléculas energéticas (açúcares e gorduras) para obtenção de energia. Nessa queima, o combustível utilizado é o oxigênio. De 2% a 3% do oxigênio consumido vira radicais livres, uma "fuligem" que "suja" as principais engrenagens da célula.
Essa "fuligem" é limpa por enzimas antioxidantes, equivalentes a uma equipe de faxina. Com o tempo, porém, as próprias "faxineiras" se enferrujam, e a "fuligem" aumenta e se acumula, chegando a apagar trechos do DNA, o "livro de instruções" para a construção do organismo.
O estresse oxidativo também danifica as proteínas existentes na célula e a fabricação de novas proteínas. A estrutura da membrana celular é alterada, o que prejudica a entrada de sais minerais e vitaminas, necessários a diversas reações químicas do organismo.
As células perdem grande parte de sua capacidade de reagir a agressões internas e externas. Assim, envelhecer não é sinônimo de adoecer, mas de se tornar mais vulnerável às doenças em geral.

Possível solução
A reversão de parte dos efeitos do estresse oxidativo foi conseguida num experimento com macacos do National Institute on Aging da Universidade Johns Hopkins (Maryland, EUA).
Um grupo de cem macacos podia comer à vontade e outro grupo de cem recebeu 30% menos da mesma dieta. O segundo grupo teve uma vida mais longa e mais saudável que o primeiro.
Resultados desse tipo sugerem que os efeitos da restrição calórica poderão beneficiar o homem, mas ainda não foi realizado nenhum estudo conclusivo a esse respeito.
Substâncias antioxidantes, como vitaminas A e C, deveriam trazer bons resultados, mas nem sempre produzem os efeitos desejados.
Esse tratamento à base de vitaminas, chamado de medicina ortomolecular, ainda é visto com desconfiança pela maioria dos médicos.
Capas de DNA
O segundo processo conhecido dos cientistas é o "encurtamento dos telômeros", que são capas protetoras localizadas na extremidade do DNA.
A cada divisão das células -e elas se dividem constantemente em alguns tecidos do corpo-, os telômeros perdem uma parte de suas sequências.
Quando essas capas atingem seu limite, sequências de DNA começam a se alterar e a se perder. As células deixam de se dividir e envelhecem ou se transformam em células cancerosas.
Entendendo esse processo, pesquisadores norte-americanos conseguiram aumentar o tempo de vida de células humanas cultivadas em laboratório. Fibroblastos, células da pele, que normalmente se dividem 80 vezes, passaram a se dividir mais de 100 vezes antes de envelhecer.
Em artigo publicado em janeiro deste ano na revista "Science", os pesquisadores explicam que usaram no experimento a telomerase, enzima capaz de refazer a capa protetora do DNA.
O estudo da telomerase parece confirmar a hipótese de que o encurtamento das capas funciona como um relógio do envelhecimento. Esse seria um limite intrínseco, geneticamente controlado, para a vida das células.
O limite para a expectativa de vida humana está em torno dos 120 anos, mas já se cogita estendê-lo até 140 com os crescentes avanços da biologia molecular.
Para chegar tão longe, é preciso dispor de recursos para evitar e combater os males ligados ao envelhecimento, abrir mão de diversos prazeres (veja ao lado) ou ter nascido com maior capacidade de reagir a condições adversas.
Genes e longevidade
Evidências indiretas do envolvimento dos genes no aumento da expectativa de vida são conhecidas há décadas. O acompanhamento de famílias com histórico de vida longa aponta nesse sentido.
Sabe-se também que a expectativa de vida em gêmeos difere, apesar de sua semelhança genética. Mas a diferença entre eles é muito menor do que entre duas pessoas de mães diferentes.
Gêmeos idênticos são fruto da mesma receita. As instruções sozinhas, porém, não garantem que se faça sempre o mesmo bolo. Os ingredientes e as condições em que são misturados também são importantes.
Mas já existem evidências diretas do papel da genética nesse processo. Marília Cardoso Smith, da Unifesp, em colaboração com pesquisadores de outros países, participou da descoberta do primeiro gene do envelhecimento.
Esse gene (palavra do livro de instruções) codifica uma helicase, enzima que conserta o DNA. Ele pode sofrer uma mutação (alteração nas letras da palavra), da qual resulta a síndrome de Werner, doença que torna senis indivíduos de 30 a 40 anos.
Segundo Mayana Zatz, do Departamento de Genética da USP, deve haver dezenas de genes ligados à longevidade. É preciso identificá-los, entender como interagem entre si e de que forma afetam a atuação dos outros genes.



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