São Paulo, sexta, 2 de outubro de 1998

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SÉCULOS 16 A 18
Dominador vê dominado


Obras de Theodore de Bry e Albert Eckhout mostram a visão européia do rito canibalesco


Folha Imagem
'Mameluca' (1641), do pintor holandês Albert Eckhout


FREDERICO MENGOZZI
especial para a Folha

Em 1556, ao naufragar no litoral de Alagoas, o primeiro bispo do Brasil, Pero Fernandes Sardinha, sentiu na pele o gosto do canibalismo. O bispo veio para devorar -ele defendia a escravização e a aculturação dos nativos- e saiu devorado. Na foz do rio Coruripe, pelos índios caetés.
Ao evocar a morte do bispo, Oswald de Andrade, no "Manifesto Antropófago", defendia a devoração da cultura européia e, em consequência, o surgimento de uma cultura autônoma brasileira.
A sala propõe uma leitura menos simbólica e mais literal da antropofagia. Afinal, como entender, senão passando pelo estômago, o quadro "Mulher Tapuia", do holandês Albert Eckhout, que mostra uma índia e um cesto com pedaços de um corpo humano?
Mesmo que a leitura do quadro seja literal, a antropofagia não o é. Ao matar, e devorar, o outro, o invasor, o estrangeiro, num ato ritualístico, os canibais acreditavam incorporar algumas de suas qualidades.
Com curadoria de Ana Maria Belluzzo e Jean-François Chougnet, a mostra estabelece relações entre a cultura européia, dominante, e a cultura americana, dominada.
Nas gravuras que o flamengo Theodor de Bry concebeu, sem jamais ter estado por aqui, para as narrativas de Hans Staden, há uma descrição crua dos ritos antropofágicos. Ao revelar tais práticas para a Europa civilizada, Staden/De Bry colocaram a cultura européia em xeque. Havia quem visse o mundo de outra maneira, ferindo padrões que se julgavam universais.
A sala Séculos 16 a 18 mostra a face insuspeitada da antropofagia. Não uma arma de ataque, mas de defesa.

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