São Paulo, terça-feira, 03 de outubro de 2006

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PRESIDÊNCIA/RAZÕES DO VOTO

Lula perde votos onde economia patina

Em regiões afetadas negativamente pela política econômica do governo, petista teve menos apoio que nas eleições de 2002

Alckmin venceu presidente com folga em áreas de forte produção agropecuária; setor sofreu com câmbio e volta da febre aftosa

FÁBIO VICTOR
PAULO COBOS

DA REPORTAGEM LOCAL Um detalhamento do mapa eleitoral do primeiro turno mostra que o surrado bordão "É a economia, estúpido", cunhado por um marqueteiro do ex-presidente dos EUA Bill Clinton, continua útil para explicar resultados da política.
Se é impossível afirmar o que motivou diretamente a opção dos eleitores, fato é também que a situação econômica de regiões específicas do país guarda relação clara com os votos a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a Geraldo Alckmin (PSDB).
Relação essa que não se resume à vinculação mais óbvia, de que a superioridade de Lula nas regiões mais pobres se deve à massificação do programa Bolsa-Família nesses lugares. A indústria e o comércio do Nordeste crescem mais que a média nacional, ajudando a criar novos consumidores nas classes C e D. O petista venceu em todos os Estados da região.
Há o outro lado da moeda. Onde a crise se instalou, seja pela política do atual governo ou por problemas externos ou climáticos, Alckmin venceu.
Nos Estados com agropecuária forte, como em todo o Centro-Oeste e no Sul, Lula despencou em relação à sua votação de 2002. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, caiu de 41,5% dos votos válidos há quatro anos para 36% agora. Em Santa Catarina o tombo foi dramático -de 56,6% para 33,2%.
Afetado pela política cambial do governo e pelos preços externos, o preço da saca de soja caiu quase 40% nos últimos quatro anos. A resposta dos eleitores de Sinop (MT), município que está entre os maiores produtores do país, veio anteontem. Lula teve apenas 26% dos votos válidos. Há quatro anos, recebera 41%.
"Esse governo foi um zero à esquerda para Mato Grosso. Investimentos em infra-estrutura poderiam compensar o problema cambial, mas nada foi feito", reclama Tarcísio Sachetti, um dos maiores produtores de soja e algodão da região.
Já no vizinho Amazonas, Lula teve sua maior votação proporcional no país, 78%. Dados recentes ajudam a compreender o porquê. A Zona Franca de Manaus cresceu cerca de 35% só no ano passado, com faturamento recorde. O número de empregos aumentou 29%.

Aftosa e gripe aviária
A retração no preço da carne bovina e o ressurgimento, no ano passado, da febre aftosa, que restringiu as importações, afetaram o Centro-Oeste, região em que Lula foi batido por Alckmin em todos os Estados.
Porcos e frangos espreitam a decadência de Lula em Santa Catarina. A exportação dessas carnes, especialidade do Estado, sofreu um tombo. No primeiro caso, pela suspensão das compras da Rússia (maior importador), outro reflexo da febre aftosa. Quanto aos frangos, a culpa foi da gripe aviária.
O Rio de Janeiro e o Espírito Santo, os dois Estados do Sudeste onde Lula venceu, são grandes produtores de petróleo, cujo preço subiu nos últimos anos. O Rio, maior produtor nacional, gostou. Lá, Lula teve 49% dos votos, nove pontos a mais que em 2002. Macaé, município campeão de produção, foi ainda mais generoso -59% votaram no petista.
A indústrias de calçados, móveis e máquinas e equipamentos não parece contente com a política econômica. Eleitores de cidades onde esses setores são fortes puniram Lula. Enfraquecidas pela invasão de produtos chineses, as fábricas de sapatos de Franca (SP) e Novo Hamburgo (RS) dispensaram funcionários nos últimos anos.
Em Franca, Lula teve 25% dos votos válidos, contra 39% de 2002. Em Novo Hamburgo o petista caiu de 47% para 31%.
No Paraná, a região com forte indústria moveleira foi menos generosa com Lula. O petista teve 27% dos votos válidos em Arapongas (foram 41% em 2002). No Paraná como um todo, o petista registrou 38%.
"O centro-sul, com forte atividade do chamado agribusiness, é uma área em que os benefícios sociais do governo não chegam, porque a população tem um nível de renda melhor. É gente que precisa do auxílio do Estado em outro nível, e o governo demorou a atendê-los", afirma o sociólogo Brasílio Sallum Jr., professor da USP.
Para ele, porém, é uma simplificação dizer que o quadro eleitoral é fruto exclusivamente da economia. "Às vezes uma sociedade é simples, como em muitas cidades do agribusiness, mas se vê atingida no centro de seus valores. Nesses lugares, a ameaça à propriedade da terra pode contar mais do que o desempenho econômico."


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