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Justiça social não é feita em tribunais
especial para a Folha
Lorde Ralf Dahrendorf é hoje cavaleiro do Império
Britânico, mas nasceu alemão na cidade de Hamburgo, em 1929, filho do deputado social-democrata ao
Reichstag Gustav Dahrendorf, militante antinazista.
Ralf, o filho, mudou para o Reino Unido em 1974, como diretor da prestigiada London School of Economics.
Já era então autor de alguns clássicos da sociologia,
como "Classe e Conflito de Classe" (1959). Três décadas depois, escreveu "Após 1989" para saudar o advento da "sociedade aberta" ao Leste Europeu, livro em
que desenvolve a idéia de inclusão como essencial para a de cidadania.
Em entrevista à Folha, por telefone, ele critica a idéia
de direitos sociais e econômicos. "Direitos são coisas
que você pode pleitear numa corte", diz.
(ML)
Folha - O sr. acredita que os direitos sociais e econômicos devem ser vistos como simples princípios, ou
idéias reguladoras, ou antes como um programa de
ação? Qual seria o ponto de vista liberal?
Ralf Dahrendorf - Não acredito que existam coisas
como direitos sociais e econômicos, acho que é um
abuso da palavra "direito" aplicá-la por exemplo ao
trabalho, ou à igualdade. Direitos são coisas que você
pode pleitear numa corte. Não se pode ir a uma corte
de Justiça e exigir renda mais alta. É uma idéia totalmente equivocada.
No entanto é correto dizer que há condições econômicas e sociais que têm de ser satisfeitas para tornar
esses direitos reais para todas as pessoas. Satisfazer essas condições é muito importante, mas isso é matéria
de políticas, não de direitos. É um programa de ação
que nada tem a ver com um conceito estrito de direito,
e eu sou um defensor de conceitos estritos.
Folha - Por que o sr. acha que isso foi incluído ou entendido como direitos na declaração?
Dahrendorf - Em parte porque as pessoas não pensam com precisão, em parte porque há aqueles que acreditam que
chamá-los de direitos lhes daria
maior força. Mas chamar alguma
coisa pelo nome errado não confere força maior a coisa alguma.
Folha - Em entrevista ao jornal
alemão "Die Zeit", o filósofo Jürgen Habermas falou da "lavagem
cerebral" que estaria abalando os
fundamentos universais da consciência igualitária vigentes há 200
anos.
Dahrendorf - Acho que houve
uma mudança enorme, inteiramente desejável para mim: a noção
de igualdade econômica e social
foi substituída, ou está sendo substituída, pela de inclusão, que é a
palavra correta. Inclusão de todos
no universo de oportunidades. Inclusão é o grande objetivo de uma
política social que seja guiada pelo
princípio da cidadania, mais do
que por algum princípio de igualdade, distribuição ou o que for.
Folha - Sua concepção de cidadania parece mais que liberal, talvez
pós-liberal, na medida em que o sr.
insiste na idéia de inclusão.
Dahrendorf - Eu preferiria deixar
termos como "liberal" e "socialista" de lado, eles são muito enfadonhos. O que estou argumentando é
que direitos civis e políticos são absolutamente essenciais, sejam as
pessoas ricas ou pobres, tenham as
pessoas alguns benefícios sociais ou não. No entanto,
os direitos fundamentais nunca são totalmente reais a
não ser que as pessoas também tenham uma posição
social e econômica que lhes possibilite fazer uso de
seus direitos. Mesmo não sendo um direito, ter trabalho ou ficar rico é necessário para melhorar as condições de vida das pessoas.
Folha - Minha última pergunta é sobre o Terceiro
Mundo. Países como o Brasil e outros da América Latina e da África não têm o que se chama de sociedade civil. Em meio à crise financeira mundial, a perspectiva é
de mais recessão, o que significa que menos pessoas
terão acessos a essas condições sociais básicas. Não
parece uma perspectiva muito animadora.
Dahrendorf - Não sei por onde começar, o tema é
imenso. Eu não acho que exista um Terceiro Mundo.
O Segundo Mundo se foi em 1989 e não faz mais sentido falar em Terceiro Mundo. Em segundo lugar há
países que são significativamente mais pobres do que
outros e esses países são confrontados em princípio
com o mesmo tipo de problema: como se podem criar
as condições de uma prosperidade sustentável e ao
mesmo tempo assegurar que seja incluído no processo
um número grande de pessoas, em última instância
que todos sejam incluídos, e com instituições livres,
com o domínio da lei.
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