São Paulo, quinta, 3 de dezembro de 1998

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Justiça social não é feita em tribunais

especial para a Folha

Lorde Ralf Dahrendorf é hoje cavaleiro do Império Britânico, mas nasceu alemão na cidade de Hamburgo, em 1929, filho do deputado social-democrata ao Reichstag Gustav Dahrendorf, militante antinazista. Ralf, o filho, mudou para o Reino Unido em 1974, como diretor da prestigiada London School of Economics.
Já era então autor de alguns clássicos da sociologia, como "Classe e Conflito de Classe" (1959). Três décadas depois, escreveu "Após 1989" para saudar o advento da "sociedade aberta" ao Leste Europeu, livro em que desenvolve a idéia de inclusão como essencial para a de cidadania.
Em entrevista à Folha, por telefone, ele critica a idéia de direitos sociais e econômicos. "Direitos são coisas que você pode pleitear numa corte", diz. (ML)

Folha - O sr. acredita que os direitos sociais e econômicos devem ser vistos como simples princípios, ou idéias reguladoras, ou antes como um programa de ação? Qual seria o ponto de vista liberal?
Ralf Dahrendorf -
Não acredito que existam coisas como direitos sociais e econômicos, acho que é um abuso da palavra "direito" aplicá-la por exemplo ao trabalho, ou à igualdade. Direitos são coisas que você pode pleitear numa corte. Não se pode ir a uma corte de Justiça e exigir renda mais alta. É uma idéia totalmente equivocada.
No entanto é correto dizer que há condições econômicas e sociais que têm de ser satisfeitas para tornar esses direitos reais para todas as pessoas. Satisfazer essas condições é muito importante, mas isso é matéria de políticas, não de direitos. É um programa de ação que nada tem a ver com um conceito estrito de direito, e eu sou um defensor de conceitos estritos.
Folha - Por que o sr. acha que isso foi incluído ou entendido como direitos na declaração?
Dahrendorf -
Em parte porque as pessoas não pensam com precisão, em parte porque há aqueles que acreditam que chamá-los de direitos lhes daria maior força. Mas chamar alguma coisa pelo nome errado não confere força maior a coisa alguma.
Folha - Em entrevista ao jornal alemão "Die Zeit", o filósofo Jürgen Habermas falou da "lavagem cerebral" que estaria abalando os fundamentos universais da consciência igualitária vigentes há 200 anos.
Dahrendorf
- Acho que houve uma mudança enorme, inteiramente desejável para mim: a noção de igualdade econômica e social foi substituída, ou está sendo substituída, pela de inclusão, que é a palavra correta. Inclusão de todos no universo de oportunidades. Inclusão é o grande objetivo de uma política social que seja guiada pelo princípio da cidadania, mais do que por algum princípio de igualdade, distribuição ou o que for.
Folha - Sua concepção de cidadania parece mais que liberal, talvez pós-liberal, na medida em que o sr. insiste na idéia de inclusão.
Dahrendorf -
Eu preferiria deixar termos como "liberal" e "socialista" de lado, eles são muito enfadonhos. O que estou argumentando é que direitos civis e políticos são absolutamente essenciais, sejam as pessoas ricas ou pobres, tenham as pessoas alguns benefícios sociais ou não. No entanto, os direitos fundamentais nunca são totalmente reais a não ser que as pessoas também tenham uma posição social e econômica que lhes possibilite fazer uso de seus direitos. Mesmo não sendo um direito, ter trabalho ou ficar rico é necessário para melhorar as condições de vida das pessoas.
Folha - Minha última pergunta é sobre o Terceiro Mundo. Países como o Brasil e outros da América Latina e da África não têm o que se chama de sociedade civil. Em meio à crise financeira mundial, a perspectiva é de mais recessão, o que significa que menos pessoas terão acessos a essas condições sociais básicas. Não parece uma perspectiva muito animadora.
Dahrendorf -
Não sei por onde começar, o tema é imenso. Eu não acho que exista um Terceiro Mundo. O Segundo Mundo se foi em 1989 e não faz mais sentido falar em Terceiro Mundo. Em segundo lugar há países que são significativamente mais pobres do que outros e esses países são confrontados em princípio com o mesmo tipo de problema: como se podem criar as condições de uma prosperidade sustentável e ao mesmo tempo assegurar que seja incluído no processo um número grande de pessoas, em última instância que todos sejam incluídos, e com instituições livres, com o domínio da lei.



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