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EM BUSCA DO ESPAÇO PERDIDO
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Solar do edifício Viadutos, ao final da avenida São Luís |
QUALIDADE de vida aliada aos baixos preços de
imóveis traz classe média de volta para a região
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DA EQUIPE DE TRAINEES
Entre latas de tinta e ripas de
madeira, a atriz Mika Lins, 36, vai
contando os planos para o futuro
apartamento. Aqui o sofá. Ali
uma mesa. Quadros não. Basta a
vista. Do janelão, que vai de uma
ponta à outra da sala, vêem-se as
ruas e avenidas repletas de gente
-ao fundo, a serra da Cantareira.
"À noite, parece uma árvore de
Natal", conta Mika. Assim que a
reforma acabar, ela se muda para
o 28º andar do edifício Copan, no
centro de São Paulo.
No centro?
Não foram poucas as pessoas
que estranharam a decisão da
atriz. Afinal, já parece enraizada
no imaginário paulistano a noção
de que essa parte da cidade é suja,
perigosa e decadente.
Mas Mika está entre os que,
atentos às tendências, notaram
que há algo de novo na região.
"O centro está mais limpo, o número de camelôs diminuiu. Além
disso, aqui é muito policiado. O
centro está voltando à moda",
afirma o dramaturgo Walcyr Carrasco, que há três anos se mudou
para a avenida São Luís.
Diante dessas mudanças, morar
no centro pode ser um bom negócio. Na região, é possível achar
apartamentos pela metade do
preço dos de um bairro valorizado como Moema, por exemplo.
"Com o que nós gastamos para
comprar e reformar esse apartamento, nós compraríamos uma
caixa de fósforos em outro lugar
da cidade", compara o arquiteto
Adelson Moreira, que há seis anos
mora na avenida São João.
Antigos vizinhos
As praticidades de morar no
centro podem parecer novidades
para os "neocentristas", mas já fazem parte do cotidiano de pessoas
que moram na região há décadas,
como a advogada aposentada Gilce Ophélia Borges, que está há 37
anos no centro.
Semanalmente, ela vai ao Mercado Municipal. Em vez de fazer o
caminho mais curto, prefere o
que chama de "passeio enfeitado", passando pela praça da República e pelo Teatro Municipal. E
até hoje se emociona: "Fico arrepiada com aquela beleza".
A aposentada diz que, comparado ao passado, hoje o centro está bom e ainda deve melhorar.
Menos otimista, a atriz Dulce Muniz, 12 anos de centro, vê a questão do lixo nas ruas e dos camelôs
como problemas graves, mas instigantes, "que nos posicionam sobre o que fazer para melhorar".
Tendência
As transformações pelas quais o
centro de São Paulo tem passado
proporcionam uma mudança sutil, mas já perceptível, no perfil de
seus moradores.
Segundo a Pólis, ONG especializada em políticas sociais, nos últimos dez anos houve um aumento
na renda média dos moradores da
região da praça da República.
Aumentaram os percentuais de
moradores de renda média (5 a 10
salários mínimos), média alta (10
a 20 salários mínimos) e alta
(mais de 20 salários mínimos). No
mesmo período, diminuiu a concentração de pessoas de renda
baixa (menos de 5 salários mínimos) e média alta (de 10 a 20 salários mínimos).
"Esse é um movimento que já
está acontecendo de forma sutil,
mas permanente, desde a última
década", afirma a urbanista Raquel Rolnik, coordenadora da
pesquisa, destacando como ponto preferencial para atração da
classe média as regiões da praça
da República e da Vila Buarque.
Mudança
Especialistas dizem que, uma
vez instalados no novo endereço,
os moradores promovem transformações no entorno de suas residências.
Em busca de qualidade de vida,
eles criam uma demanda por serviços, de padarias e supermercados a coleta de lixo e manutenção
do espaço público.
"O centro precisa ser habitado,
pois isso é que traz vitalidade urbana", afirma Denise Sant'Anna,
coordenadora da pós-graduação
em história da PUC-SP.
"Os moradores se engajam, formam associações que serão responsáveis pelo que ocorre no centro", afirma a historiadora.
(AMARÍLIS LAGE e RICARDO LISBÔA)
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