São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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GEOPOLÍTICA

Depois da ofensiva militar no Afeganistão, Bush descarta ajuda de aliados

Discurso multilateralista dura pouco

DA REDAÇÃO

Embora tenha privilegiado um discurso aparentemente multilateralista após 11 de setembro para conquistar a anuência internacional a uma ofensiva militar no Afeganistão, o presidente George W. Bush utilizou os atentados suicidas para justificar o unilateralismo que já caracterizava sua administração anteriormente.
De acordo com analistas ouvidos pela Folha, mesmo quando tentava alinhavar a mais abrangente coalizão internacional de que se tem notícia, Bush deixou transparecer sua inclinação fundamentalmente unilateralista.
"Os atentados não transformaram a cena internacional. Eles só agravaram algo que já existia, visto que Washington já apresentava atitudes unilateralistas desde que Bush assumiu a Presidência, no início de 2001", analisou Kenneth Waltz, autor de, entre outros, "Theory of International Politics" (teoria da política internacional).
"Os atentados apenas serviram para acentuar essa tendência. Desde 11 de setembro último, Bush pôde dar liberdade à sua veleidade de agir de modo unilateralista, deixando claro que os Estados que não apoiassem os EUA estavam do lado dos terroristas."
De fato, desde o início de seu governo, Bush já falava em abandonar o Tratado Antimísseis Balísticos (TAB), firmado com a URSS em 1972. Este, para os russos, era a pedra angular dos esforços de desarmamento internacionais.
No final de 2001, apesar das objeções de boa parte da comunidade internacional, incluindo inúmeros aliados europeus dos EUA, Washington informou que deixaria o TAB em seis meses.
Não faltam exemplos para ilustrar a conduta unilateralista da atual administração americana: a recusa em apoiar o Protocolo de Kyoto (que estabelece metas para o combate do efeito estufa), a tentativa de esvaziar a criação do Tribunal Penal Internacional, a intenção de atacar o Iraque para depor Saddam Hussein apesar da forte oposição internacional etc.
Para Eric Fassin, da Escola Normal Superior (Paris), há duas explicações para isso. "Primeiro, os EUA dispõem de um poder que lhes permite acreditar que seu unilateralismo possa ser eficaz. Segundo, Bush crê ter encontrado na cruzada contra o terrorismo um meio de prolongar uma lógica internacional cujos efeitos domésticos são cruciais para ele."
"Desprezando alianças internacionais, Bush tem como objetivo perenizar a guerra ao terrorismo, criando até uma "segunda fase" que lhe permitirá atacar o Iraque. Assim, ele mantém sua popularidade elevada por mais tempo, o que não conseguiu seu pai [George Bush] logo após a Guerra do Golfo [1991]", acrescentou Fassin.
Segundo Ole Holsti, co-autor de "Unity and Disintegration in International Alliances" (unidade e desintegração em alianças internacionais), o modo como Washington se tem portado na cena internacional denota uma "grave falta de visão dos formuladores da política externa" do país.
"Mesmo levando em conta a maneira egocêntrica de pensar dos atuais dirigentes americanos, que só pensam nos "interesses nacionais", o unilateralismo acabará se mostrando pouco eficaz. Afinal, a guerra ao terrorismo será vencida não com tanques, mas com intercâmbio de informações e com um vasto trabalho de espionagem. Para tanto, as alianças são indispensáveis", explicou Holsti.

Antiamericanismo
De acordo com ele, o surgimento de focos de antiamericanismo em locais em que ele não existia mostra que, na verdade, se trata de um "sentimento negativo em relação não às instituições ou aos cidadãos americanos, mas às posições de seu atual governo".
"Logicamente, há pessoas e correntes de pensamento radicais que vêem nos EUA o grande demônio. Porém isso corresponde a uma parcela marginal do antiamericanismo que observamos no mundo atualmente. A maior parte desse sentimento diz respeito a um forte repúdio ao governo de Bush e às suas atitudes unilateralistas", afirmou Holsti.
Uma coisa é certa: uma visão mais humanista e menos egocêntrica das relações internacionais por parte dos EUA poderia abrandar o antiamericanismo. Assim, talvez o restante do planeta deixasse de sentir-se desprezado pela hiperpotência americana. (MSM)


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