São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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O FUTURO

Especialistas ouvidos pela Folha não consideram que os atentados terroristas contra os EUA tenham representado uma mudança significativa no cenário mundial. Para eles, a relação de forças entre as potências planetárias não foi alterada. Na prática, dizem, a originalidade da estratégia americana está na revitalização de um discurso maniqueísta, como o da Guerra Fria, que deixa apenas aos EUA a definição do que é terrorismo

Para europeus, história não muda

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

O 11 de setembro é um marco da história americana, mas não representou grande coisa para o conjunto da história mundial, segundo analistas franceses ouvidos pela Folha. Para eles, tudo o que se passou após daquela data, na cena internacional, não é senão um desenvolvimento do que já estava em processo antes.
Essa conclusão está também nos principais livros sobre o assunto que vêm sendo lançados na França. No país, como em toda parte do mundo, o "11 de setembro, um ano depois" é um imenso evento midiático.
"O 11 de setembro não foi foi uma revolução estratégica -e, globalmente, o mundo é, um ano depois, o mesmo que ele era um ano antes. Não houve uma mudança fundamental da relação de forças entre as potências", diz o cientista político Pascal Boniface, diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas.
"Da mesma forma que o isolacionismo americano não evitou o ataque de Pearl Harbor, o seu unilateralismo não está ao abrigo do mundo exterior. A grande lição do 11 de setembro é que a face trágica da mundialização faz com que os acontecimentos em lugares mais recônditos, como o Afeganistão, repercutam no coração do mundo, como em Nova York."
Para o cientista político Oliver Roy, há apenas duas verdadeiras novidades no 11 de setembro: o ataque ao Afeganistão e a redefinição do discurso estratégico americano. "Os EUA jamais atacariam o Afeganistão não fosse o 11 de setembro."
A campanha no Afeganistão modificou o equilíbrio estratégico na Ásia Central, mas ficou limitada ao plano regional. "A guerra levou o Paquistão a renunciar à postura que tinha adotado após a chegada ao poder do general Zia ul-Haqq em 1977 (utilizar o islamismo radical como instrumento de influência regional). O agravamento da tensão na Caxemira e a relativa estabilização da Ásia ex-soviética também são consequências dessa intervenção."
Para Roy, a luta antiterrorista e o "eixo do mal" também não apresentam nenhuma novidade -a expressão lembra o "império do mal" com que Ronald Reagan qualificava a Rússia. A guerra contra o terrorismo, na sua opinião, apenas reformula "decisões já tomadas em relação ao Oriente Médio, à Rússia e à Otan".
O "eixo do mal" de George W. Bush é, para Roy, desenlace da política de "Estados delinquentes" da época de Clinton. "Paquistão, Egito e Arábia Saudita, que forneceram a massa de militantes da Al Qaida, continuam aliados, enquanto o Irã, que não deu nenhum, vira o maior inimigo."
A originalidade da estratégia americana está na revitalização de um discurso maniqueísta, como o da Guerra Fria. Esse discurso reideologiza os conflitos atuais, separando o mundo em dois campos e deixando apenas aos EUA a definição do que é terrorismo. "Ele dá a um país que tem a hegemonia de fato o discurso de discriminação e de classificação dos conflitos que lhe faltava."
É o que Roy chama de "a nova doutrina americana". "O 11 de setembro transformou o equilíbrio estratégico mundial unicamente na medida em que levou a hiperpotência americana a redefinir a ameaça e, portanto, sua estratégia futura. Mas nenhuma das outras potências chegou a essa mesma conclusão. Os europeus, com ou sem razão, consideram a ameaça terrorista como fazendo parte da paisagem e não realizam senão melhorias de segurança", analisa.


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