São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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DISSONÂNCIA

Para Oliver Roy, a Europa não aceita a lógica americana sobre o terror

"Não adianta fazer uma guerra"

DE PARIS

O cientista político Oliver Roy é um dos principais especialistas franceses em islã político e nas questões da Ásia Central. Ele está publicando neste mês dois livros sobre o 11 de setembro. Um deles, é "L'Islam Mondialisé" ("O Islã Mundializado"), em que estuda a organização político-religiosa do mundo muçulmano. O outro é "Les Illusions du 11 Septembre" ("As Ilusões de 11 de Setembro"), reflexão sobre a atual conjuntura geopolítica e o novo discurso americano do "eixo do mal".
Na entrevista a seguir, ele fala sobre a posição da Europa em relação a esse discurso e afirma que o continente terá um papel secundário no futuro do mundo. (ALN)

Folha - Como o sr. avalia o apoio da Europa à guerra ao terror?
Oliver Roy -
É preciso distinguir dois níveis: a guerra contra o terror propriamente dita e o chamado "eixo do mal". Em relação ao primeiro, a Europa apóia os EUA. Mas a idéia do "eixo do mal" não é bem aceita pelos europeus, porque não há relação lógica entre as redes terroristas e os Estados tidos como "eixo do mal".

Folha - O sr. escreve que a Europa tem uma visão menos dramática que os EUA sobre o terrorismo. Os europeus acreditam em negociação com os terroristas?
Roy -
Sim, exceto com a Al Qaeda. Sobre o fenômeno Al Qaeda, há um acordo entre EUA e Europa. O debate passa, porém, pelas causas do terrorismo. Para a Europa, o terrorismo da Al Qaeda é sobretudo uma consequência dos conflitos no Oriente Médio. Então, no quadro da política de erradicação do terrorismo, seria preciso resolver essa crise.

Folha - Os europeus são mais céticos sobre a luta antiterrorista?
Roy -
Sim. Ao contrário dos americanos, os europeus desconfiam da capacidade dos terroristas de construírem uma arma nuclear. E consideram efetivamente que as crises vão sempre produzir uma forma de terrorismo -e isso não é uma razão para mudar de estratégia, de sistema jurídico etc.
Os europeus pensam que, para impedir os terroristas de ter armas de destruição em massa, não adianta fazer uma guerra. É um problema de informação, de ação dos comandos antiterroristas. Os meios de fazer armas perigosas não estão no Irã, no Iraque, mas no interior mesmo do espaço ocidental, na Rússia, na Ucrânia...

Folha - O sr. diz que os EUA estão fazendo uma campanha para sustentar o "bom islã". Por que a Europa não participa dessa campanha? Ela não acredita no "bom islã"?
Roy -
Não. Creio que a Europa tenha uma aproximação mais social do que religiosa. Além disso, promover o bom muçulmano é o mesmo que desacreditá-lo, por definição. Face aos outros muçulmanos, aquele que foi considerado "bom" será tido como uma criação dos americanos.

Folha - Os EUA imaginam que exista solução para o "problema do islã". Os europeus pensam assim?
Roy -
Eles são mais céticos. Acham que o problema venha a se resolver pela mudança das gerações, pela integração. Os americanos querem fazer reengenharia social e propaganda. Eles usam explicitamente o modelo que usaram contra os soviéticos. Não é um bom recurso. Não se pode tratar a religião pelo ideológico.

Folha - Os europeus defendem uma política mais equilibrada no Oriente Médio a fim de secar as fontes do terror islâmico. Por que eles não conseguem impor essa política aos americanos?
Roy -
Porque eles não têm meios, inclusive militares, e também não têm vontade. A Europa tem uma força econômica considerável, mas ela não faz por onde se dar os meios e não quer se dar os meios para ser uma grande potência. Os orçamentos militares estão em queda na Europa em relação aos EUA. Temos necessidade dos americanos em termos de logística, de proteção aérea, de informação etc. No fundo, os europeus não querem concorrer com os EUA. Essa é a moral da história.

Folha - Mas eles criticam muito o unilateralismo americano.
Roy -
Sim. É porque acham que os americanos exageram, que vão muito longe. Os europeus querem que os americanos sejam menos unilaterais, mas não fazem nada para impedir que sejam.

Folha - A Europa está aceitando um papel secundário no mundo?
Roy -
Sim.


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