São Paulo, domingo, 09 de janeiro de 2005

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Risco para o Brasil é mínimo, mas existe

Tsunamis são muito raros no oceano Atlântico, mas São Vicente já enfrentou onda em 1542

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

Se você é fã do seriado CSI Miami, do canal Sony, já sabe desde 21 de dezembro que tsunamis podem um dia devastar o litoral atlântico das Américas, Nordeste brasileiro incluído. A probabilidade é ínfima, mas não foi inventada por roteiristas desatinados.
Os autores da idéia encaixada no episódio da série são os geofísicos Steven Ward (Universidade da Califórnia em Santa Cruz) e Simon Day (University College de Londres). Eles publicaram em 2001 no periódico "Geophysical Research Letters" uma simulação mostrando o que aconteceria se entrasse em colapso uma parte do vulcão Cumbre Vieja, no arquipélago das Canárias, a menos de 200 km da costa noroeste da África.
Uma avalanche de 500 km3 de terreno dentro do oceano elevaria a água cerca de 900 m, concluíram os computadores de Ward e Day. A oscilação se propagaria em ondas sucessivas, cada vez menores, por todo o Atlântico. Fora as ilhas, o primeiro estrago seria sentido uma hora depois na costa africana, com tsunamis de 50-100 m.
No que toca ao Brasil, o estrago ocorreria seis horas depois do colapso do vulcão. Iria de Fernando de Noronha e do Rio Grande do Norte até o Amapá. Ondas de 4 m a 18 m se abateriam sobre capitais como Fortaleza e São Luís.
Vários pesquisadores brasileiros conheciam a pesquisa de Ward e Day e a mencionaram logo após a tragédia na Ásia. Um dos primeiros foi o físico Celso Pinto de Melo, da Universidade Federal de Pernambuco, que escreveu um artigo para o informativo "Jornal da Ciência".
Melo afirmava no texto que as probabilidades de um evento desses seriam "minúsculas", mas que, na escala geológica de tempo (milhões de anos), até as coisas mais improváveis acabam acontecendo. Lembrou que a vila de São Vicente, no litoral paulista, foi assolada em 1542, pouco após sua fundação, por ondas que se supõe tenham alcançado 8 m de altura e avançado 150 m terra adentro.
Um dos poucos cientistas interessados em tsunamis no Brasil é o geofísico peruano Jesús Berrocal, 66, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. Ele está preparando para as usinas nucleares de Angra dos Reis (RJ) um estudo sobre o risco de tsunamis na costa leste do Brasil e agora foi convidado a apressá-lo. Além disso, vai participar em Portugal de um evento em memória dos 250 anos do terremoto de 1755 em Lisboa, em que a maioria das mortes teria sido causada pela onda gigante que se seguiu -o único grande exemplo de tsunami no Atlântico. Segundo Berrocal, o risco de uma tsunami no Brasil "é muito pequeno, mas não é zero".
O fato é que os tsunamis são muito raros no Atlântico, pois 80% delas ocorrem no Pacífico. Os dados indicam que ondas acima de 7,5 m ocorrem a intervalos médios de 15 anos, segundo informou o sítio news@nature.com. Segundo o Centro Benfield de Pesquisa de Riscos de Londres, ondas de 10 m ou mais ocorrem só a cada mil anos no Atlântico Norte, no Caribe e no Índico (onde ocorreu a tragédia). O tempo cai para 250 anos no caso do Alasca e da costa pacífica da América do Sul, e 200 anos, no do Havaí.


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