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A indústria fictícia de cinema
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Depois da terra arrasada a que o
governo Collor reduziu o cinema
brasileiro, qualquer coisa que Itamar Franco e Fernando Henrique
Cardoso fizessem seria lucro.
A Lei do Audiovisual, criada na
gestão Itamar (em 1993) e implantada efetivamente no governo
FHC, tirou a produção cinematográfica do sufoco e estabeleceu
uma política mínima para o setor.
Beneficiadas pela renúncia fiscal, as empresas passaram a poder
investir em filmes sem correr nenhum risco. Com a lei, elas abatem dos impostos o investimento
e ainda têm o chamado "retorno
de mídia" por verem seu nome associado a um bem cultural.
Num primeiro momento, a nova
política pareceu transformar o antigo deserto numa "terra prometida". Dezenas de filmes passaram
a ser produzidos anualmente, velhos cineastas voltaram a filmar,
uma nova geração de realizadores
apareceu. A produção se descentralizou e a qualidade técnica média dos filmes elevou-se consideravelmente. Além disso, o cinema
brasileiro voltou a marcar presença no cenário internacional.
Uma situação paradisíaca, certo? Errado. Ao privilegiar, como
medida de emergência, a retomada da produção, a Lei do Audiovisual negligenciou dois aspectos essenciais da equação cinematográfica: a distribuição e a exibição.
Além disso, por pressões diretas
das emissoras, deixou de lado a
questão crucial da relação entre
cinema e TV. Resultado: os filmes
são feitos, mas -com raras exceções- pouca gente os vê.
O mercado exibidor elitizou-se
nos últimos anos com o fechamento dos cinemas mais populares e o aumento do preço médio
do ingresso (de cerca de US$ 1,
nos anos 70, para US$ 5, hoje).
Contam-se nos dedos de uma
única mão os filmes brasileiros
que, nos últimos anos, conseguiram ultrapassar a marca de 1 milhão de espectadores: "Carlota
Joaquina", "O Quatrilho", "O
Noviço Rebelde", "Central do
Brasil".
Se "Carlota Joaquina", de
Carla Camurati, conseguiu comunicar-se com o público graças a
seu humor maroto, que lançava
um olhar escrachado sobre a formação nacional, "Central do Brasil", de Walter Salles, atingiu uma
sintonia com o espectador ao tratar do Brasil de hoje. O primeiro
alimentou-se da baixa de auto-estima do brasileiro; o segundo, da
sua necessidade de ter esperança.
A aritmética simples e implacável do filme
Na verdade, o cinema brasileiro
vive hoje um impasse. Os filmes
são produzidos, mas não conseguem furar o bloqueio do mercado exibidor.
Por enquanto, o problema está
sendo empurrado com a barriga
pelo meio cinematográfico, por
um motivo simples. Por conta da
Lei do Audiovisual, os filmes continuam a ser produzidos, mesmo
que ninguém os veja. Com orçamentos inflacionados -não raro
ultrapassando os R$ 4 milhões- e
bilheterias magras, o cinema brasileiro hoje se configura como
uma indústria fictícia, que seria
economicamente inviável sem o
amparo da renúncia fiscal.
A aritmética é simples e implacável. Da renda de um filme na bilheteria, descontadas as partes do
exibidor, do distribuidor, dos impostos e dos gastos de lançamento
(cartazes, trailers, publicidade
etc.), sobram para o produtor, em
geral, meros 20%. Como o preço
médio do ingresso é R$ 5, de cada
ingresso vendido o produtor recebe R$ 1. Logo, um filme que custou R$ 1 milhão precisa de 1 milhão de espectadores para cobrir
seu custo na bilheteria.
Quase todos os países produtores fazem uso de uma legislação de
proteção e incentivo, mas contemplando o conjunto da atividade cinematográfica (e não somente a produção), de modo a torná-la economicamente auto-sustentável e socialmente relevante.
No Brasil, ainda não chegamos lá.
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