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Sinatra O mundo perde a voz
CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial
Não se falava ainda em aldeia global. E, apesar do poder e da glória da música americana,
faltava um logotipo que tivesse a força de
uma "trade mark", que fosse ao mesmo
tempo um fenômeno local e universal reunindo gerações. Havia Bing Crosby, em cuja
sombra Frank Sinatra viveu breve e necessário purgatório. A diferença logo se impôs.
Bing era um cantor, cantor excepcional. Sinatra era mais: era a voz.
Voz que acompanhou atos e fatos do mundo, que passou pelo teste (desnecessário) do
cinema, enfrentou turbulências (também
desnecessárias), amou mulheres erradas, andou em más companhias. Apesar da folclórica magreza, tinha gordura suficiente para errar. Pessoalmente, acho até que ele errou
pouco.
Pode ser discutido e negado como ser humano. Não importa. O que ficou dele foi a
seriedade com que encarou seu ofício de cantor. No início da carreira, quando começava a
se tornar o maior nome da música americana, ele encerrou um filme medíocre sobre a
vida de Jerome Kern cantando "Old Man River". Volta e meia coloco no vídeo esse final
e fico impressionado com a seriedade de sua
interpretação, quase operística, ou totalmente operística. Paul Robeson havia dado a régua e o compasso para a canção, Sinatra poderia tirar o time de campo e partir para outro tipo de interpretação -aquela em que ele
já era o maior. Preferiu ir além de si mesmo e
foi.
Seu repertório é bem mais do que uma sequência de sucessos. Mesmo nos momentos
em que, na fase ingrata da carreira, ele apelou
para o chamado "lixo", o intérprete pode ter
quebrado a cara, mas a voz -sendo incorpórea- superava a contingência e deixava a sua
marca: é um Sinatra. Deve-se dizer "é um
Sinatra" na mesma entonação com que se
diz: "É um Rubens, é um Velázquez, é um
Picasso".
Cada um terá de Sinatra uma seleção pessoal e intransferível. Nos três ou quatro minutos de cada momento em que pagou tributo a uma melodia e a uma letra, ele será um
cantor de massa -atributo que geralmente
diminui o artista.
O furo dele ficou bem acima: cada parcela
penetrada por sua voz ganhou a dimensão de
um todo. Nos últimos 50 anos, ele deu ao
mundo a trilha sonora que ficará como um
orgulho de nosso tempo.
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