São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2001

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ANÁLISE

Terrorismo-catástrofe é a nova ameaça

Reuters - 11.set.01
Torre do World Trade Center explode após ter sido atingida durante o ataque da última terça-feira


Comunidade internacional não consegue chegar a consenso sobre modo de combatê-lo

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Os atentados suicidas da última terça-feira, que atingiram dois dos maiores símbolos do poderio econômico e militar dos EUA -o World Trade Center e o Pentágono, respectivamente-, demonstraram que as principais potências da comunidade internacional terão de enfrentar uma nova forma de terrorismo no século 21, a que visa a atingir alvos altamente simbólicos e a provocar um número elevado de vítimas, de acordo com especialistas.
A provável maciça resposta militar americana aos responsáveis pelos atos terroristas só tende a agravar esse quadro e a consolidar essa ameaça. "Uma coisa é certa: qualquer operação deve ser minuciosamente planejada, pois, na medida do possível, erros que provoquem mortes de civis têm de ser evitados", explicou o ex-embaixador Philip Wilcox, que chefiou o setor de contraterrorismo do Departamento de Estado dos EUA e trabalha no Instituto para a Paz no Oriente Médio.
"Afinal, se esses erros ocorrerem, Washington será alvo da ira de terroristas potenciais. Uma espiral de violência só tende a prejudicar os interesses dos EUA. Mais do que nunca, a violência deve gerar ainda mais ódio, já que, num contexto de radicalismo religioso, isso é justificável", acrescentou.
Ademais, trata-se de um combate contra inimigos invisíveis, que não contam com o apoio aberto de Estados-nações. "Se estiverem bem estruturados, os grupos terroristas poderão cometer atentados impressionantes sem muito dinheiro. Além disso, mesmo que sejam indiretamente apoiados por alguns países, eles não representam Estados-nações, o que complica ainda mais a luta contra eles", analisou Ole Holsti, especialista em política internacional da Universidade Duke.
"Mesmo que, ao final das investigações, os agentes federais cheguem à conclusão de que [o milionário saudita Osama" bin Laden orquestrou os ataques, ninguém poderá sustentar que ele foi auxiliado por um Estado-nação. O Afeganistão não é um Estado-nação tradicional, como prova o fato de que seu governo só é reconhecido por três países [Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Paquistão"", acrescentou Holsti.
"Não creio na existência de uma rede organizada de terroristas. Há diversos pequenos grupos independentes com objetivos e inimigos diferentes. Os grupos são fragmentados e mudam de configuração constantemente. Se Bin Laden for preso ou morto, alguém tomará seu lugar", indicou o general da reserva do Exército dos EUA John C. Reppert, diretor-executivo do Centro Belfer para Ciência e Relações Internacionais da Universidade Harvard.

Lógica bem-sucedida
Os atentados foram um ponto de inflexão no que se refere à magnitude dos atos terroristas, contudo não fugiram de uma lógica conhecida há muito tempo.
"Esses atentados só fogem à lógica terrorista que funcionou no século 20 por causa de sua dimensão, não em razão de seu conteúdo. Infelizmente, alguns grupos que fizeram uso de terrorismo obtiveram sucesso no passado, como mostra o caso do IRA [Exército Republicano Irlandês] no Reino Unido", apontou Holsti.
"Entretanto a dimensão dessas ações foi infinitamente superior porque é muito mais fácil entrar em países democráticos após o final da Guerra Fria, o que decerto deu aos terroristas a chance de planejar cuidadosamente parte dos ataques de dentro do território americano." Segundo autoridades dos EUA, alguns dos terroristas frequentaram um curso de aviação na Flórida.
O terrorismo catastrófico é alimentado pela rejeição radical, existente não apenas dentro do mundo muçulmano, da dominação mundial exercida pelos valores comerciais e culturais provenientes de Estados ocidentais.
Dada a defasagem entre os países desenvolvidos, os que mais lucram com o fenômeno da globalização, e os menos abastados do mundo muçulmano, como o Afeganistão e o Paquistão, os grupos terroristas não terão dificuldade em recrutar jovens dispostos a substituir os "mártires" mortos em atentados suicidas.
A luta contra todas as formas de terrorismo é ainda mais complexa por causa da falta de confiança existente dentro da comunidade internacional no que se refere ao intercâmbio de informações confidenciais relacionadas à segurança dos países que a compõem.
Os EUA não são exceção. "Se tivéssemos sido mais humildes e compartilhado dados referentes a grupos terroristas com outros países, talvez pudéssemos ter evitado uma tragédia tão grande. Os EUA certamente serão mais humildes a partir de agora, pois sabem que também são vulneráveis", apontou Reppert.
Ademais, as ligações comerciais que unem países como a Rússia e a França a Estados considerados "irresponsáveis" por Washington, como o Irã, têm minado os esforços conjuntos e limitado o escopo das ações internacionais contra os grupos terroristas.

Combate internacional
Talvez os atentados da última terça-feira dêem novo alento às iniciativas conjuntas contra o terrorismo, conforme desejo expresso por vários líderes internacionais, como o presidente da Rússia -Vladimir Putin- e seu colega da China -Jiang Zemin. Este deseja a criação de uma agência internacional contra o terrorismo sob a égide das Nações Unidas.
Contudo, os especialistas ouvidos pela Folha expressaram ceticismo quanto a essa possibilidade. Para Reppert, somente contatos bilaterais podem ser eficazes.
"Não creio que a iniciativa possa ser internacional. Sabemos que de modo bilateral esse tipo de intercâmbio é mais bem-sucedido. Quando devemos tratar de assuntos altamente sensíveis, como informações sobre grupos terroristas, os segredos só são revelados se há confiança mútua, e isso só ocorre em reuniões bilaterais."
De acordo com Robert Rotberg, presidente da Fundação para a Paz Mundial, os EUA se oporiam à criação de um órgão controlado pela ONU. "Não creio que a agência ou o que quer que seja criado para lutar contra a ameaça terrorista possa funcionar dentro do sistema das Nações Unidas, pois os EUA não concordariam com isso. Afinal, a ONU é dominada por países menos desenvolvidos."
"Iniciativas internacionais só tendem a obter resultados se excluírem a ONU. Esta pode até criar uma agência para lidar com o terrorismo, entretanto jamais terá poder verdadeiro nesse campo", analisou Holsti.
A discussão está aberta, e a decisão é premente. Os ataques ocorridos na Costa Leste dos EUA, que provocaram a maior tragédia da história do país, o provam. Enquanto isso, a população civil internacional permanece vulnerável ao terrorismo catastrófico.


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