São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2001

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Tragédia deve facilitar aprovação de escudo antimísseis

DA REDAÇÃO

A tragédia ocorrida na Costa Leste dos EUA jamais poderia ter sido evitada pelo sistema de defesa antimísseis que o presidente George W. Bush pretende construir. Paradoxalmente, ela deverá facilitar a aprovação do projeto pelo Congresso, o que, no mínimo, era incerto até a última terça.
Afinal, a onda de insegurança gerada pelos atentados suicidas será utilizada pelo governo americano para garantir apoio à sua proposta de construção do escudo. "Após o choque inicial, os atentados serão usados politicamente. Como é favorável ao escudo, a atual administração utilizará os ataques para "vender" sua idéia", explicou à Folha Ole Holsti, especialista em política internacional da Universidade Duke.
"Bush e seu secretário da Defesa [Donald Rumsfeld" acreditam que os EUA enfrentem ameaças múltiplas e que o país tem de proteger-se. Eles dirão aos eleitores: "Imaginem como seria pior se, em vez de aviões comerciais, mísseis balísticos atingissem imóveis no território americano'", acrescentou Holsti, autor de "Public Opinion and American Foreign Policy" (Opinião Pública e Política Externa Americana, em inglês).
O Partido Democrata, que, em sua maioria, era contrário ao sistema de defesa antimísseis até os ataques terroristas, já começa a mostrar que pode mudar de opinião "em nome da unidade nacional". Assim, vários senadores do partido já afirmaram que não pode haver paixão partidária neste momento e que a aprovação do escudo se insere nessa lógica.

Partido Republicano
Entre os republicanos, o tema já era quase uma unanimidade e transformou-se numa necessidade urgente. "O que ocorreu na terça mostrou que os ataques podem vir de várias formas", declarou o senador Chuck Hagel, do Estado de Nebraska.
"Não podemos prever quais meios nossos inimigos vão utilizar para intimidar-nos ou para machucar-nos. Não podemos ter em mente apenas uma possibilidade", afirmou o senador Thad Cochran, do Mississipi. "As duas ameaças não têm ligação. Os EUA enfrentam perigos múltiplos. A defesa contra mísseis é uma necessidade que não pode ser negligenciada", disse Ari Fleischer, porta-voz da Casa Branca.
Na verdade, os atentados suicidas evidenciaram que não existe invulnerabilidade no que se refere a ameaças internacionais. "Acredito que os eventos da última terça tenham demonstrado que aqueles que quiserem provocar estragos enormes, com centenas ou milhares de mortes, conseguirão fazê-lo sem mísseis nem armas nucleares. Isso sobretudo em sociedades democráticas, cujas fronteiras são relativamente abertas", analisou Holsti.
"Os americanos ainda não foram alvo de atentados com armas químicas ou biológicas, porém o ataque ocorrido no metrô de Tóquio há alguns anos mostrou que qualquer país é vulnerável a esse tipo de violência. Essas armas nem precisam ser transportadas em aviões", acrescentou. Em 1995, seguidores da seita Aum Shinrikyo (ensinamento da verdade) liberaram gás sarin no metrô de Tóquio, matando 12 pessoas e intoxicando cerca de 5.000.
Para Michael Kreile, diretor do departamento de política internacional da Universidade Humboldt, de Berlim, "o escudo antimísseis talvez nunca consiga realizar a tarefa para a qual foi imaginado: destruir mísseis provenientes do exterior". "Já que o sistema custará entre US$ 50 bilhões e US$ 100 bilhões, os EUA deveriam pensar em usar parte desse dinheiro para fortalecer a segurança do país de outras formas."

Oposição internacional
Além de não proteger os EUA de ameaças terroristas, o escudo antimísseis é bastante impopular internacionalmente. Alguns aliados americanos de peso, como a França e a Alemanha, já expressaram preocupação quanto ao projeto por temerem uma nova corrida armamentista. A China e a Rússia, por sua vez, opõem-se veementemente ao projeto.
Em 26 de janeiro, pouco depois de o presidente Vladimir Putin afirmar que a Rússia pretendia continuar cumprindo o Tratado Antimísseis Balísticos (TAB), firmado com os EUA em 1972, Rumsfeld sustentou que Washington não se sentia mais na obrigação de respeitá-lo, pois "foi assinado com um parceiro que já não mais existe, a URSS". O projeto militar foi concebido para proteger os EUA de ataques de "Estados irresponsáveis", como a Coréia do Norte, o Iraque e o Irã.
Na última quarta, autoridades russas exortaram Washington a participar de uma luta global contra o terrorismo em vez de concentrar-se num sistema de defesa antimísseis que não poderia ter evitado a tragédia da véspera. Para Moscou, o governo americano deveria mudar o escopo de sua estratégia de defesa. "Está cada vez mais claro que os EUA têm buscado respostas para questões erradas", declarou o deputado russo Dmitry Rogozin.
Uma visão menos egocêntrica das relações internacionais por parte de Washington poderia abrandar o ainda desorganizado movimento antiamericano, do qual os terroristas suicidas da última terça eram representantes radicais. Em vez de um escudo antimísseis, Bush deveria propor a criação de um sistema de defesa internacional para enfrentar as hoje difusas ameaças geoestratégicas e apoiar a criação de um tribunal penal internacional. (MSM)


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