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Tragédia deve facilitar aprovação de escudo antimísseis
DA REDAÇÃO
A tragédia ocorrida na Costa
Leste dos EUA jamais poderia ter
sido evitada pelo sistema de defesa antimísseis que o presidente
George W. Bush pretende construir. Paradoxalmente, ela deverá
facilitar a aprovação do projeto
pelo Congresso, o que, no mínimo, era incerto até a última terça.
Afinal, a onda de insegurança
gerada pelos atentados suicidas
será utilizada pelo governo americano para garantir apoio à sua
proposta de construção do escudo. "Após o choque inicial, os
atentados serão usados politicamente. Como é favorável ao escudo, a atual administração utilizará
os ataques para "vender" sua
idéia", explicou à Folha Ole Holsti, especialista em política internacional da Universidade Duke.
"Bush e seu secretário da Defesa
[Donald Rumsfeld" acreditam
que os EUA enfrentem ameaças
múltiplas e que o país tem de proteger-se. Eles dirão aos eleitores:
"Imaginem como seria pior se, em
vez de aviões comerciais, mísseis
balísticos atingissem imóveis no
território americano'", acrescentou Holsti, autor de "Public Opinion and American Foreign Policy" (Opinião Pública e Política
Externa Americana, em inglês).
O Partido Democrata, que, em
sua maioria, era contrário ao sistema de defesa antimísseis até os
ataques terroristas, já começa a
mostrar que pode mudar de opinião "em nome da unidade nacional". Assim, vários senadores do
partido já afirmaram que não pode haver paixão partidária neste
momento e que a aprovação do
escudo se insere nessa lógica.
Partido Republicano
Entre os republicanos, o tema já
era quase uma unanimidade e
transformou-se numa necessidade urgente. "O que ocorreu na terça mostrou que os ataques podem
vir de várias formas", declarou o
senador Chuck Hagel, do Estado
de Nebraska.
"Não podemos prever quais
meios nossos inimigos vão utilizar para intimidar-nos ou para
machucar-nos. Não podemos ter
em mente apenas uma possibilidade", afirmou o senador Thad
Cochran, do Mississipi. "As duas
ameaças não têm ligação. Os EUA
enfrentam perigos múltiplos. A
defesa contra mísseis é uma necessidade que não pode ser negligenciada", disse Ari Fleischer,
porta-voz da Casa Branca.
Na verdade, os atentados suicidas evidenciaram que não existe
invulnerabilidade no que se refere
a ameaças internacionais. "Acredito que os eventos da última terça tenham demonstrado que
aqueles que quiserem provocar
estragos enormes, com centenas
ou milhares de mortes, conseguirão fazê-lo sem mísseis nem armas nucleares. Isso sobretudo em
sociedades democráticas, cujas
fronteiras são relativamente abertas", analisou Holsti.
"Os americanos ainda não foram alvo de atentados com armas
químicas ou biológicas, porém o
ataque ocorrido no metrô de Tóquio há alguns anos mostrou que
qualquer país é vulnerável a esse
tipo de violência. Essas armas
nem precisam ser transportadas
em aviões", acrescentou. Em
1995, seguidores da seita Aum
Shinrikyo (ensinamento da verdade) liberaram gás sarin no metrô de Tóquio, matando 12 pessoas e intoxicando cerca de 5.000.
Para Michael Kreile, diretor do
departamento de política internacional da Universidade Humboldt, de Berlim, "o escudo antimísseis talvez nunca consiga realizar a tarefa para a qual foi imaginado: destruir mísseis provenientes do exterior". "Já que o sistema
custará entre US$ 50 bilhões e
US$ 100 bilhões, os EUA deveriam pensar em usar parte desse
dinheiro para fortalecer a segurança do país de outras formas."
Oposição internacional
Além de não proteger os EUA
de ameaças terroristas, o escudo
antimísseis é bastante impopular
internacionalmente. Alguns aliados americanos de peso, como a
França e a Alemanha, já expressaram preocupação quanto ao projeto por temerem uma nova corrida armamentista. A China e a
Rússia, por sua vez, opõem-se
veementemente ao projeto.
Em 26 de janeiro, pouco depois
de o presidente Vladimir Putin
afirmar que a Rússia pretendia
continuar cumprindo o Tratado
Antimísseis Balísticos (TAB), firmado com os EUA em 1972,
Rumsfeld sustentou que Washington não se sentia mais na
obrigação de respeitá-lo, pois "foi
assinado com um parceiro que já
não mais existe, a URSS". O projeto militar foi concebido para proteger os EUA de ataques de "Estados irresponsáveis", como a Coréia do Norte, o Iraque e o Irã.
Na última quarta, autoridades
russas exortaram Washington a
participar de uma luta global contra o terrorismo em vez de concentrar-se num sistema de defesa
antimísseis que não poderia ter
evitado a tragédia da véspera. Para Moscou, o governo americano
deveria mudar o escopo de sua estratégia de defesa. "Está cada vez
mais claro que os EUA têm buscado respostas para questões erradas", declarou o deputado russo
Dmitry Rogozin.
Uma visão menos egocêntrica
das relações internacionais por
parte de Washington poderia
abrandar o ainda desorganizado
movimento antiamericano, do
qual os terroristas suicidas da última terça eram representantes radicais. Em vez de um escudo antimísseis, Bush deveria propor a
criação de um sistema de defesa
internacional para enfrentar as
hoje difusas ameaças geoestratégicas e apoiar a criação de um tribunal penal internacional.
(MSM)
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