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Só "conflito assimétrico" pode enfrentar poderio americano
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Em 1985, o mundo tinha
duas superpotências. A
União Soviética tinha as
maiores Forças Armadas
do planeta, com 5,3 milhões de
homens em armas. Os EUA vinham atrás, com 2,1 milhões de
seus cidadãos fardados. Os dois
países tinham arsenais nucleares
gigantescos e semelhantes.
Hoje, o principal Estado sucessor da antiga URSS, a Rússia, ainda tem 1 milhão de soldados, marinheiros e aviadores. Mas o país
luta com falta de recursos para
operar os restos do gigantesco arsenal que tinha construído.
Os EUA, mesmo tendo diminuído suas Forças Armadas para
1,3 milhão de homens e mulheres,
com diminuição correspondente
em parte do arsenal, são a potência militar mais poderosa de todos os tempos.
Não há inimigo potencial capaz
de enfrentar sua máquina de
guerra de igual para igual. A única
maneira de resistir ao poderio dos
EUA é investir no chamado "conflito assimétrico" -explorar os
pontos fracos da sociedade americana, precisamente o que faz o
terrorismo.
"A guerra, por definição, é uma
atividade que tem dois lados. É
também uma atividade imitativa
na qual, dado tempo suficiente, os
dois lados aprendem um com o
outro e tendem a se parecer entre
si", escreveu o historiador militar
israelense Martin van Creveld.
Foi o que aconteceu na Segunda
Guerra (1941-1945, para os EUA),
quando os americanos construíram mais tanques, mais aviões e
mais navios que alemães e japoneses para os derrotarem com as
mesmas armas.
Mas não foi o que aconteceu na
longa intervenção americana no
Vietnã, que começou aos poucos
no início dos anos 60 e terminou
com a retirada das suas tropas em
1973 (e a derrota do aliado americano, o Vietnã do Sul, em 75). Os
guerrilheiros comunistas do Vietcong não tinham como combater
os americanos com as mesmas armas, logo se tornaram especialistas na "guerra assimétrica".
A intervenção quase sem sangue -europeu ocidental e americano- em Kosovo, província da
Iugoslávia, parecia indicar um futuro radiante para o modo americano de fazer guerra, através do
"míssil inteligente" e demais armas guiadas.
Mas bastou um bando de terroristas suicidas equipados com as
mais antigas armas da humanidade -facas e estiletes- para indicar de modo brutal que o conflito
pode ser "assimétrico" também
nos resultados.
A hegemonia militar americana, demonstrada principalmente
na posse de tecnologias bélicas
que nenhum outro país possui,
criou um triunfalismo que foi rudemente abalado com os atentados do dia 11.
Alguns autores prevêem não só
mais um século, mas pelo menos
meio milênio de hegemonia americana. Mesmo especialistas não
tão ufanistas concordam que os
americanos estão muito à frente
mesmo de seus aliados europeus.
Durante todo o período da
Guerra Fria os EUA criticaram
seus aliados por não gastarem o
suficiente com forças armadas,
mas permanecerem contentes debaixo do "guarda-chuva nuclear"
americano.
A declarada intenção americana
é de realizar uma longa guerra
contra o terrorismo, que seria
"uma campanha, não uma ação
única", nas palavras do secretário-adjunto da Defesa, Paul Wolfowitz. O resto do mundo tem
duas opções: ou se alia aos EUA,
ou aos terroristas.
Resta saber qual o impacto dos
atentados no programa americano de defesa espacial contra mísseis balísticos -outro projeto da
atual administração dentro da
mesma lógica "dane-se o mundo,
nós faremos de qualquer jeito
porque nos interessa".
Como se trata do tipo de investimento que interessa ao complexo
militar-industrial, é provável que
o programa antimíssil prossiga,
mesmo sabendo-se que alguns
terroristas armados com facas já
causaram mais estrago que todos
os mísseis nas mãos dos Estados
que os EUA chamam de "delinquentes" ou "irresponsáveis".
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