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INDÚTRIA CULTURAL
Hollywood depende cada vez mais das bilheterias
externas para cobrir custos de produção e lucrar
Cinema é tratado como assunto estratégico
A pirataria, que causou perdas de US$ 2,5 bilhões à indústria do cinema, é uma das grandes preocupações dos EUA;
a outra é o protecionismo cultural
A cultura norte-americana se transformou numa civilização, no sentido de um conjunto de valores que se apresenta como modelo a ser seguido, mais ou menos como a civilização romana
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A expressão "imperialismo cultural" está fora
de uso, mas continua
fazendo pleno sentido,
pelo menos no que diz respeito à
indústria audiovisual.
Os números são esmagadores:
segundo dados da Comunidade
Européia, 80% dos ingressos de
cinema vendidos na Europa são
de filmes norte-americanos. Na
América Latina, a proporção é semelhante.
No ranking dos filmes mais vistos no mundo em todos os tempos, a produção não-americana
mais bem colocada é o britânico
"Ou Tudo ou Nada" (1997), em
126º lugar. E é preciso descer até o
157º posto para encontrar um filme cuja língua não seja o inglês: o
italiano "A Vida É Bela" (1997).
Na música popular, outro terreno em que a indústria americana
é muito forte, há uma contratendência em andamento.
De acordo com a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), a participação dos repertórios locais no total de vendas
de música (CDs, fitas cassetes,
discos) subiu de 58%, em 1991,
para 68%, no ano 2000.
Mas a música pop anglófona
continua sendo a que mais se ouve no mundo. Ocupou, no ano
passado, os dez primeiros lugares
entre os discos mais vendidos.
Além disso, por mais que aumentem os repertórios locais, a
veiculação segue cada vez mais
concentrada. Calcula-se que 90%
dos CDs vendidos na América Latina sejam de uma das cinco megaempresas multinacionais da
música: BMG, EMI, Sony, Warner
e Polygram.
Mas em nenhum terreno a hegemonia norte-americana é tão
esmagadora quanto no da cultura
audiovisual.
Embora possua o maior mercado interno do mundo, com nada
menos que 38 mil telas (no Brasil,
não chegam a 2.000), o cinema
americano precisa do mercado
externo para amortizar seus altos
custos de produção e obter lucros.
Precisa também dos mercados de
vídeo, DVD e TV.
A saúde de Hollywood tem dependido cada vez mais das bilheterias obtidas no exterior (veja
quadro). De acordo com Jack Valenti, presidente da Motion Pictures Association of America
(MPAA), os filmes norte-americanos são exibidos em mais de 150
países. Os programas de TV americanos são transmitidos para 125
mercados.
Por isso o cinema é tratado como assunto estratégico nos EUA.
A MPAA, instituição que representa os interesses da indústria cinematográfica como um todo,
mantém representação na Casa
Branca e escritórios em oito cidades do exterior, entre elas o Rio.
Num apelo ao Congresso dos
EUA para que combata a pirataria, Valenti declarou orgulhosamente que as "copyright industries" (cinema, TV, vídeo, música,
publicações e software de computador) obtiveram "saldo positivo
de comércio com todos os países
do mundo", num ano (2000) em
que o país teve um déficit de quase US$ 400 bilhões.
Pirataria e resistência
A pirataria, que causou perdas
de US$ 4,5 bilhões à indústria fonográfica e de US$ 2,5 bilhões à do
cinema, é uma das grandes preocupações dos produtores americanos. A outra é o protecionismo
cultural adotado por vários países, em especial a França.
O Brasil, timidamente, entrou
nessa briga. Na semana passada, o
governo baixou medida provisória criando uma nova taxa sobre
remessa ao exterior de lucros com
a exibição de filmes estrangeiros
no país.
O Brasil aderiu também ao recém-criado Instituto Internacional para a Cinematografia e o Audiovisual Latino, que se pretende
um instrumento para a afirmação
dos cinemas nacionais de países
latinos da América e da Europa.
Mas foi a França que, até agora,
conseguiu os melhores resultados
na resistência à hegemonia americana, combinando mecanismos
de reserva de mercado (tanto de
salas de cinema como de programação de TV) com medidas de
fomento à produção nacional.
Os franceses argumentam que é
necessário proteger a identidade
nacional e a diversidade cultural
contra o avassalador poder da indústria americana. Os norte-americanos reagem brandindo a velha
bandeira do livre mercado.
Pressão ou competência
Durante as negociações do Gatt
(Acordo Geral sobre Comércio e
Tarifas), em que se discutia a taxação aduaneira dos chamados
"bens culturais", a representante
norte-americana, Carla Hills, disse a seus interlocutores da Comunidade Européia uma frase lapidar: "Façam filmes tão bons
quanto seus queijos e vocês os
venderão".
Ou seja, do ponto de vista de
Hollywood, tudo se resume a uma
questão de competência. Os filmes americanos rendem porque
são bons, certo?
Errado, respondem os protecionistas. Os filmes americanos rendem porque contam com uma
poderosa máquina de propaganda e marketing, além de meios
econômicos de pressão, como o
famigerado "blindbooking", que
é a imposição de filmes e programas de menor interesse como
condição para a venda dos mais
procurados.
Um dado fornecido pela própria MPAA ressalta a importância
do marketing no sucesso das produções americanas. No ano 2000,
o custo médio de um filme de
grande estúdio foi de US$ 54 milhões. Desse total, nada menos
que US$ 24 milhões referem-se a
gastos com publicidade.
Isso não significa que o argumento da competência americana seja inválido. Ninguém nega
que Hollywood forjou ao longo
das décadas um padrão de qualidade incomparável.
Não é só uma questão de dinheiro, mas de "know-how" e
criatividade, forjados ao longo de
um século.
Ironicamente, grande parte da
glória de Hollywood se deve ao talento de estrangeiros, como o inglês Hitchcock, o austríaco Fritz
Lang, o italiano Frank Capra e
tantos outros, tradição que continua hoje com o australiano Peter
Weir, o holandês Paul Verhoeven,
o chinês Ang Lee.
Se existe algum lugar em que a
América se confunde com o mundo, esse lugar é Hollywood.
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