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Política externa agrava xenofobia
DA SUCURSAL DO RIO
Professor do Departamento de Estudos Afro-americanos da Universidade de Harvard, nos
EUA, o filósofo negro Kwame Anthony Appiah diz que o racismo é
"o pecado original" dos EUA.
Filho de pai ganense e mãe britânica, Appiah, 47, nasceu no Reino Unido, cresceu em Gana e é
naturalizado americano. O autor
de "Na Casa do Meu Pai: a África
na Filosofia da Cultura" (Editora
Contraponto, 1997) falou à Folha
na sexta-feira, por telefone:
(FE)
Folha - Qual a sua análise sobre o
racismo nos EUA?
Kwame Anthony Appiah - O princípio de tudo é a escravidão. Os
negros foram trazidos como escravos e, depois da abolição, foram mantidos em um sistema de
subordinação. Quando se pergunta se um país é racista, é preciso lembrar duas coisas: uma é o
racismo nas instituições públicas;
outra é perguntar se os cidadãos
de um país são racistas. Claramente, há racismo individual e
ainda é verdade que algumas instituições públicas tratam as pessoas desigualmente até hoje.
Folha - Mas há racismo mesmo
contra grupos não negros, que não
passaram pela escravidão.
Appiah - É verdade, a discriminação não é só entre brancos e negros, mas também, por exemplo,
contra hispânicos. A divisão fundamental de raça nos EUA era a
questão branco-negro. Há outros
grupos que permanecem substancialmente discriminados, como chineses, indianos e vietnamitas. Há, claro, algum anti-semitismo individual. Estou novamente
distinguindo o fato de que há atitudes individuais e uma prática,
ainda que não oficial, das instituições. O tratamento diferenciado é
considerado ilegal, mas há um nível de hostilidade racial sob a superfície da vida cotidiana.
Folha - O senhor viu motivação
racial nos atos terroristas e nas respostas a eles?
Appiah - O ato terrorista foi algo
antiamericano, como nação, e talvez um pouco anticristão. Mas as
respostas, claro, têm motivação
racial. Nos últimos dois dias, vimos pessoas respondendo aos fatos que ocorreram atacando árabes e muçulmanos.
Já havia hostilidade contra os
árabes, mas não era consciente
-é claro que estou dizendo isso
porque não sou árabe, se eu fosse
pensaria diferente. É também um
reflexo da política externa americana no Oriente Médio.
Folha - O que o senhor achou de
os EUA terem abandonado a Conferência das Nações Unidas contra o
Racismo, em Durban?
Appiah - Foi terrível. Do ponto
de vista político, foi um reflexo da
administração Bush, muito unilateralista, que não caminha junto
com ninguém. Eles vão ter de mudar. Os EUA estão agora pedindo
ajuda da Rússia, da China, e é irônico que um país que passou os
últimos nove meses se recusando
a cooperar com outros países esteja pedindo ajuda.
Folha - O senhor considera então,
que, apesar da tragédia, foi uma lição para o governo americano?
Appiah - Sim. Digo isso com
muito cuidado, porque nada justifica o que foi feito. Mas espero
que, quando algo terrível acontece, coisas boas também aconteçam, que saiamos desse período
de tristeza e raiva e possamos entrar numa política externa mais
cosmopolita, menos isolacionista.
Folha - O senhor teme retrocesso
no tratamento a todos os imigrantes e também com relação aos negros -que têm relação histórica
com os muçulmanos nos EUA?
Appiah - É cedo para falar em aumento generalizado da xenofobia.
É claro que isso está ocorrendo
contra árabes, mas ainda não se
transformou numa hostilidade
generalizada.
Quanto aos negros muçulmanos, é preciso dizer que é pequeno
o grupo ligado a [Louis" Farrakhan [a chamada Nação Islâmica". A maioria dos negros muçulmanos pertence a grupos mais
tradicionais. Mas é difícil avaliar
se haverá hostilidade contra eles.
A hostilidade e a xenofobia nos
EUA estão mais ligadas à raça que
à religião.
De qualquer modo, você não
pode dizer aos negros americanos: "Vão para casa". Mesmos os
racistas reconhecem que os negros são americanos.
Folha - O racismo é o calcanhar de
Aquiles dos EUA?
Appiah - Esse é um país muito
protestante, e um dos ditos básicos é que o racismo é o pecado
original. É claro que o racismo enfraquece o país nas posições externas, porque é difícil condenar
problemas em Ruanda se você sabe que os EUA são um país dividido em casa.
(FE)
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