|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MAL FALADO
Público adota o "não vi; não gostei"
ALINE SORDILI
da Reportagem Local
"Não assisto. Não me interessa."
Assim a advogada Eleonora Vaqui,
47, define sua relação com o cinema brasileiro. Para ela, cinema
bom era o cinema novo -"aqueles filmes do Glauber (Rocha) e do
(Walter Hugo) Khouri".
Eleonora faz parte dos que acreditam que o cinema brasileiro
morreu com o cineasta baiano (39-81), diretor de "Terra em Transe".
Seu desinteresse vem da "falta de
qualidade do filme nacional".
Apesar das críticas, a indicação
ao Oscar de melhor filme estrangeiro a levou na última sexta-feira
a assistir a "Central do Brasil".
Ela e sua mãe, a aposentada Osa
Vaqui, 73, acreditam que o "cinema brasileiro não gera uma boa expectativa". "Depois de anos, viemos assistir a um filme nacional."
A professora de cinema da Universidade de São Paulo Marília
Franco, 53, acredita que o estilo
"não vi, não gostei" começou nos
anos 30, com a "invasão" dos EUA.
"A invasão norte-americana deixou o cinema nacional sem tela.
Não havia, e não há, espaço para o
filme brasileiro, o que gerou um
distanciamento do espectador. O
preconceito é pela falta de contato
com a produção local", afirma.
Para o cineasta Carlos Reichenbach, 53, o distanciamento começou na sonorização, na década de
30. "Os Estados Unidos começaram antes. Quando o Brasil passou
para o cinema falado, a população
já estava habituada a ler legendas",
afirma o diretor de "Anjos do Arrabalde" e "Alma Corsária".
Eliana Arco, 48, secretária, concorda: "Hollywood é mais interessante". O último filme brasileiro a
que assistiu foi "O Quatrilho". Diz
ir ao cinema "quando dá" e prefere
filme "estrangeiro".
O economista Sérgio Alonso, 51,
discorda de Eliana e diz que assiste
a filmes nacionais "às vezes". Viu
"Central do Brasil" e considera o
cinema nacional bom. "Mas não
me lembro de outros. Prefiro assistir quando são reprisados na TV",
afirmou ele, sem citar outro filme.
"Quem fala mal é porque não
viu", aponta Miguel Wady Chaia,
50, coordenador do núcleo de estudos em arte, mídia e política da
PUC-SP (Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo).
Ele aponta ainda a falta de hábito
do brasileiro com o cinema nacional. "A produção ainda é pequena.
Faltam salas e os filmes são mal
distribuídos. Assim, é difícil criar
vínculo com a produção local."
"Assisti a muito poucos filmes
nacionais. Como estou sempre
sem tempo, prefiro esperar sair em
vídeo", afirma o vendedor Mauro
Neves, 36. Para ele, "a produção
brasileira ficou muito tempo parada e foi estigmatizada pela chanchada". "Hoje, coisas boas são produzidas, mas que ainda estão distantes do grande público."
"O problema maior é a distribuição. Enquanto não houver apoio
oficial, a população vai continuar
criticando a produção local", afirma Maria Inez Machado Borges,
45, professora-doutora do departamento de história da USP, para
quem o distanciamento começou
após o fim da Primeira Guerra
Mundial (1914-1918), quando a indústria cinematográfica dos EUA
"invadiu" a América Latina.
Para Reichenbach, o preconceito
nunca foi tão grande como na década de 80. "Isso está mudando.
Graças ao jovem e ao público universitário", acredita ele.
As universitárias Helena Arnoni,
19, e Paula Cohn Lucas da Silva, 17,
confirmam a teoria do cineasta.
Afirmam gostar de cinema nacional e, à Folha, citaram mais de dez
filmes brasileiros de cor. "As tramas são mais lentas que as americanas, e o povo não está acostumado", diz Helena.
Texto Anterior: Técnica ainda é cara e distante Próximo Texto: Mal exibido: Crise econômica e novas tecnologias achatam mercado Índice
|