São Paulo, Quinta-feira, 18 de Março de 1999
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MAL FALADO

Público adota o "não vi; não gostei"

ALINE SORDILI
da Reportagem Local

"Não assisto. Não me interessa." Assim a advogada Eleonora Vaqui, 47, define sua relação com o cinema brasileiro. Para ela, cinema bom era o cinema novo -"aqueles filmes do Glauber (Rocha) e do (Walter Hugo) Khouri".
Eleonora faz parte dos que acreditam que o cinema brasileiro morreu com o cineasta baiano (39-81), diretor de "Terra em Transe". Seu desinteresse vem da "falta de qualidade do filme nacional".
Apesar das críticas, a indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro a levou na última sexta-feira a assistir a "Central do Brasil".
Ela e sua mãe, a aposentada Osa Vaqui, 73, acreditam que o "cinema brasileiro não gera uma boa expectativa". "Depois de anos, viemos assistir a um filme nacional."
A professora de cinema da Universidade de São Paulo Marília Franco, 53, acredita que o estilo "não vi, não gostei" começou nos anos 30, com a "invasão" dos EUA.
"A invasão norte-americana deixou o cinema nacional sem tela. Não havia, e não há, espaço para o filme brasileiro, o que gerou um distanciamento do espectador. O preconceito é pela falta de contato com a produção local", afirma.
Para o cineasta Carlos Reichenbach, 53, o distanciamento começou na sonorização, na década de 30. "Os Estados Unidos começaram antes. Quando o Brasil passou para o cinema falado, a população já estava habituada a ler legendas", afirma o diretor de "Anjos do Arrabalde" e "Alma Corsária".
Eliana Arco, 48, secretária, concorda: "Hollywood é mais interessante". O último filme brasileiro a que assistiu foi "O Quatrilho". Diz ir ao cinema "quando dá" e prefere filme "estrangeiro".
O economista Sérgio Alonso, 51, discorda de Eliana e diz que assiste a filmes nacionais "às vezes". Viu "Central do Brasil" e considera o cinema nacional bom. "Mas não me lembro de outros. Prefiro assistir quando são reprisados na TV", afirmou ele, sem citar outro filme.
"Quem fala mal é porque não viu", aponta Miguel Wady Chaia, 50, coordenador do núcleo de estudos em arte, mídia e política da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Ele aponta ainda a falta de hábito do brasileiro com o cinema nacional. "A produção ainda é pequena. Faltam salas e os filmes são mal distribuídos. Assim, é difícil criar vínculo com a produção local."
"Assisti a muito poucos filmes nacionais. Como estou sempre sem tempo, prefiro esperar sair em vídeo", afirma o vendedor Mauro Neves, 36. Para ele, "a produção brasileira ficou muito tempo parada e foi estigmatizada pela chanchada". "Hoje, coisas boas são produzidas, mas que ainda estão distantes do grande público."
"O problema maior é a distribuição. Enquanto não houver apoio oficial, a população vai continuar criticando a produção local", afirma Maria Inez Machado Borges, 45, professora-doutora do departamento de história da USP, para quem o distanciamento começou após o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando a indústria cinematográfica dos EUA "invadiu" a América Latina.
Para Reichenbach, o preconceito nunca foi tão grande como na década de 80. "Isso está mudando. Graças ao jovem e ao público universitário", acredita ele.
As universitárias Helena Arnoni, 19, e Paula Cohn Lucas da Silva, 17, confirmam a teoria do cineasta. Afirmam gostar de cinema nacional e, à Folha, citaram mais de dez filmes brasileiros de cor. "As tramas são mais lentas que as americanas, e o povo não está acostumado", diz Helena.


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