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CINEMA BRASILEIRO: DEUS OU O DIABO?
Um dos melhores do mundo
ALCINO LEITE NETO
Editor do Mais!
Não há tarefa mais inglória do
que defender o cinema brasileiro.
Existe uma tal quantidade de
consensos e idéias feitas sobre a
má qualidade de nossas imagens
cinematográficas que se opor a eles
é o mesmo que enfrentar um exército de marimbondos.
Fora isso, há sempre a questão da
ignorância. Nós desconhecemos
boa parte da história do cinema do
país, não vimos os filmes, ou os vimos mal, não refletimos direito sobre eles e seus contextos.
Não se pode esquecer ainda da
inclinação ao autodeboche e à mútua depreciação, próprias do complexo de inferioridade do país.
O fato é que, se um crítico diz que
o cinema brasileiro é, no plano histórico, um dos principais de todos
os tempos, vamos despencar num
vale de risadas.
Como não há, contudo, tarefa
mais nobre do que defender o cinema brasileiro, vamos lá:
1) Esse cinema produziu um conjunto original de obras em todos os
principais períodos (mudo, período clássico, neo-realismo, cinema
moderno, underground) que comunicam entre si o seu esforço de
elaboração de uma linguagem singular e de universalização dos conteúdos.
A descontinuidade produtiva
não impediu o surgimento de estúdios e organizações (Cinédia,
Atlântida, Embrafilme etc.) ou de
arranjos coletivos (cinema novo,
udigrúdi, Boca do Lixo) que possibilitaram ao cinema brasileiro ter
uma duradoura e rara continuidade expressiva (ausente no cinema
australiano, por exemplo).
2) Ele foi um dos principais interlocutores da cultura brasileira, popular e culta. Cumpriu, ora com
maior, ora com menor adesão, o
destino histórico da "sétima arte"
de ser fruto da sociedade de massas e fronteira de trocas entre o alto
e o baixo da cultura.
Ele não se deixou isolar em uma
estética de salão ou folclorizante (à
maneira do cinema argentino) e,
valendo-se muitas vezes das reflexões e práticas do modernismo
brasileiro, tornou-se um poderoso
agente de expressão da vida e da
cultura do país e de diálogo com
sua realidade sociopolítica.
3) Esse cinema investiu-se de
uma liberdade formal e intelectual
que o impediu de ser apenas um
imitador de influências estrangeiras. Para os melhores diretores, a
precariedade técnica foi um estimulante para a criatividade, fazendo-os desenvolver recursos originais de linguagem.
4) A riqueza de sua história anterior permitiu-lhe criar o cinema
novo, um dos projetos cinematográficos mais firmes da história,
por suas invenções plásticas e pela
relevância de seu discurso.
O cinema novo desprovincianizou a filmografia brasileira, tornando-a item internacional obrigatório. Esse período gera um dos
nomes incontornáveis da história
do cinema: Glauber Rocha.
Apesar da precariedade de recursos e de sua trajetória irregular,
não há portanto exagero em o Brasil postular, com outros países periféricos (México, Índia, Polônia),
um lugar próximo das oito grandes cinematografias do mundo
(Estados Unidos, França, Japão,
Itália, Alemanha, ex-URSS, Inglaterra, Suécia).
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