São Paulo, Quinta-feira, 18 de Março de 1999
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CINEMA BRASILEIRO: DEUS OU O DIABO?

Um dos melhores do mundo

ALCINO LEITE NETO
Editor do Mais!

Não há tarefa mais inglória do que defender o cinema brasileiro.
Existe uma tal quantidade de consensos e idéias feitas sobre a má qualidade de nossas imagens cinematográficas que se opor a eles é o mesmo que enfrentar um exército de marimbondos.
Fora isso, há sempre a questão da ignorância. Nós desconhecemos boa parte da história do cinema do país, não vimos os filmes, ou os vimos mal, não refletimos direito sobre eles e seus contextos.
Não se pode esquecer ainda da inclinação ao autodeboche e à mútua depreciação, próprias do complexo de inferioridade do país.
O fato é que, se um crítico diz que o cinema brasileiro é, no plano histórico, um dos principais de todos os tempos, vamos despencar num vale de risadas.
Como não há, contudo, tarefa mais nobre do que defender o cinema brasileiro, vamos lá:
1) Esse cinema produziu um conjunto original de obras em todos os principais períodos (mudo, período clássico, neo-realismo, cinema moderno, underground) que comunicam entre si o seu esforço de elaboração de uma linguagem singular e de universalização dos conteúdos.
A descontinuidade produtiva não impediu o surgimento de estúdios e organizações (Cinédia, Atlântida, Embrafilme etc.) ou de arranjos coletivos (cinema novo, udigrúdi, Boca do Lixo) que possibilitaram ao cinema brasileiro ter uma duradoura e rara continuidade expressiva (ausente no cinema australiano, por exemplo).
2) Ele foi um dos principais interlocutores da cultura brasileira, popular e culta. Cumpriu, ora com maior, ora com menor adesão, o destino histórico da "sétima arte" de ser fruto da sociedade de massas e fronteira de trocas entre o alto e o baixo da cultura.
Ele não se deixou isolar em uma estética de salão ou folclorizante (à maneira do cinema argentino) e, valendo-se muitas vezes das reflexões e práticas do modernismo brasileiro, tornou-se um poderoso agente de expressão da vida e da cultura do país e de diálogo com sua realidade sociopolítica.
3) Esse cinema investiu-se de uma liberdade formal e intelectual que o impediu de ser apenas um imitador de influências estrangeiras. Para os melhores diretores, a precariedade técnica foi um estimulante para a criatividade, fazendo-os desenvolver recursos originais de linguagem.
4) A riqueza de sua história anterior permitiu-lhe criar o cinema novo, um dos projetos cinematográficos mais firmes da história, por suas invenções plásticas e pela relevância de seu discurso.
O cinema novo desprovincianizou a filmografia brasileira, tornando-a item internacional obrigatório. Esse período gera um dos nomes incontornáveis da história do cinema: Glauber Rocha.
Apesar da precariedade de recursos e de sua trajetória irregular, não há portanto exagero em o Brasil postular, com outros países periféricos (México, Índia, Polônia), um lugar próximo das oito grandes cinematografias do mundo (Estados Unidos, França, Japão, Itália, Alemanha, ex-URSS, Inglaterra, Suécia).


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