São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2008

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O mentor da primeira da primeira viagem

PATRONO DA IMIGRAÇÃO Empresário Ryu Mizuno negociou o acordo com fazendeiros paulistas que trouxe ao Brasil os imigrantes pioneiros, no navio Kasato Maru

DA REPORTAGEM LOCAL

Um homem letrado, detentor de títulos nobiliários, amigo pessoal do imperador e aluno da primeira turma da Universidade de Tóquio, à época restrita à nobreza, é a personificação da imigração japonesa no Brasil.
Presidente da Companhia de Emigração Imperial, o empresário e empreendedor Ryu Mizuno foi o mentor e patrono da vinda dos primeiros navios com trabalhadores japoneses para os cafezais paulistas.
A história de Mizuno com o país começou com um relatório do então embaixador japonês no Brasil, que relatou ao seu governo o crescimento das fazendas de café e a precariedade da mão-de-obra com o fim da escravidão. À época, países como os EUA, Austrália e o Reino Unido restringiam a entrada de imigrantes de origem asiática.
Da parte do Brasil, o interesse pelos japoneses era justificado pelo fim do fluxo de imigrantes italianos, que deixou o campo com falta de braços.
Era a equação que Ryu (dragão, em japonês) precisava para trazer os "soldados da fortuna", como descreveu os imigrantes que embarcaram no Kasato Maru, o navio que trouxe a primeira leva de 781 japoneses e chegou ao porto de Santos em 18 de junho de 1908. "No Brasil, existe uma árvore que dá ouro: o cafeeiro. É só colher com as mãos", diziam cartazes do período espalhados por Mizuno no sudeste do Japão.
Ryu Mizuno fez a viagem de 52 dias no Kasato Maru e registrou a experiência num diário.
Segundo Ryusaburo Mizuno, filho que mora em Curitiba, o pai, que nasceu em 1859 na província de Kochi, era dono de um casarão que tomava uma quadra inteira em Tóquio e, numa das diversas viagens que fez ao Brasil antes de trazer os imigrantes, foi o primeiro a levar o café ao Japão, que os nobres japoneses, desavisados, cozinharam e comeram como feijão.
Segundo a pesquisadora Tereza Hatue de Rezende, autora do livro "Ryu Mizuno, Saga Japonesa em Terras Brasileiras", numa viagem ao Brasil em 1906 o empresário conheceu o então governador paulista, Jorge Tibiriçá, e o secretário da Agricultura, Carlos Botelho. No ano seguinte, com a mudança da lei de imigração, fez um acordo para trazer 3.000 japoneses para São Paulo em três anos.
Em 1926, na oitava passagem pelo Brasil, Mizuno recebeu do governo do Paraná 2.767 hectares de terra para fundar uma colônia, a Alvorada.
Numa das viagens a negócios ao Japão para levantar dinheiro e investir na colônia, é declarada a Segunda Guerra. Brasil e Japão cortaram relações diplomáticas, e Mizuno não pôde mais retornar ao país.
Quando finalmente voltou ao Paraná, em 1951, depois da guerra, o filho Ryusaburo perguntou: "Pai, como é o Japão?" E ouviu: "Nunca vi tanto negro na vida", em alusão aos soldados norte-americanos. Na volta, idoso, o pai não se lembrava do filho mais novo.
Ryu tinha uma primeira família no Japão, mulher e dois filhos, que morreram de tuberculose. Mizuno e a segunda mulher, que só veio ao Brasil depois do terremoto que devastou Tóquio em 1923, só falavam japonês e não sabiam nada de português. As únicas palavras da mãe eram "bom dia" e "até logo". O pai, nem isso.
Segundo Mizuno filho, o pai bebeu até os 60 e morreu fumando cachimbo, feito em ouro maciço. No Brasil, Ryu Mizuno criou o hábito de tomar guaraná em pó com cascavel torrada todos os dias.
Na idade avançada, só se alimentava de mingau de aveia. Morreu menos de um ano depois de regressar ao Brasil do exílio da guerra. Era um homem magro, mas forte. Caminhava seis quilômetros por dia, mesmo depois dos 90 anos.
Ao acordar religiosamente às 7h, conta o filho, virava-se na direção do sol nascente e fazia orações durante duas horas. Repetia de cor um discurso do imperador e o nome de cem pessoas próximas que já haviam morrido e tiveram importância na sua vida.
Depois, ia ao escritório para ler e responder às cartas. E escrevia poemas. As sessões eram secretas, e nem a mulher assistia ao trabalho intelectual.
Pouco antes de morrer, Mizuno escreveu um poema: "Os anos se passaram e eu fiquei velho/Choro/Não pude realizar meu sonho/Minha alma não festeja/Agora estou partindo para o campo do Éden".
Ryu Mizuno morreu em agosto de 1952 na Vila Sônia (zona oeste de São Paulo), aos 93. Está enterrado no cemitério do Araçá. A mulher, Maki, morreu em 1996, aos 97. Foi enterrada em Curitiba, mas a ossada foi transferida recentemente para o túmulo do marido. Teve quatro filhos com Ryu Mizuno. Um já morreu. (VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO)

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